RELAÇÕES HUMANIZADORAS E SOLIDÁRIAS

O futuro pertence àquelas/es que acreditam nos sonhos e numa VRC muito mais relacional

Por Lourdes Meller Bonapaz

IMG_9935editNo final de semana 25 e 26 de junho, várias Missionárias da Consolata participaram do Seminário sobre Relações Humanizadoras e Solidárias em Brasília. Este foi organizado pela CRB e aconteceu no Centro Cultural de Brasilia, tendo como assessor principal Pe. Amedeo Cencini, religioso Canossiano. Pe. Amedeo é mestre em Ciências da Educação, doutor em Psicologia, especializado em Psicologia Analítica, formador, professor de Pastoral Vocacional e Formação. É também professor na Universidade Gregoriana, em Roma.

O Seminário contou com a participação de 240 Religiosas/os vindos de vários estados, principalmente do Centro-oeste e Norte do Brasil. Éramos também um número significativo de São Paulo e outros estados do Sudeste. Religiosas/os são pessoas chamadas a viver juntas não por vínculos naturais ou escolhas, mas por força de um chamamento especial de Deus. Religiosas/os somos seres racionais, mas acima de tudo, somos seres relacionais.

Pe. Cencini iniciou com uma profecia do jovem professor Ratzinger em 1969 quando perguntado como seria a Igreja no ano 2000? Muito interessante!

Ele disse que a Igreja não seria mais capaz de viver nos edifícios que ela mesma construiu, mas seria um edifício espiritual.

Redimensionada, sem grande autoridade e nem tanta relevância social e política.

Uma Igreja com menos seguidores e por isso forçada a abandonar grandes obras.

Nascerá uma Igreja mais espiritual, revificada e simples; uma Igreja dos pobres e para os pobres onde cada pessoa descobrirá a sua missão”.

O que Ratzinger profetizou para a Igreja vale para a Vida Religiosa Consagrada (VRC), diz Pe. Cencini, e nós estamos vendo acontecer, uma VRC mais simples e mais espiritual. Então, e só então se verá uma esperança vislumbrar para si mesma, para a Igreja e para o mundo.

Quando numa Instituição a autoridade deforma-se em poder, imediatamente perde-se o valor das relações interpessoais. Pois o poder é anti-relacional, é incapaz de relação profunda e duradoura e isso gera o narcisismo. Desencadeia-se a ilusão do poder e vários abusos acontecem até pode chegar ao abuso sexual que temos presenciado. Quando se recupera o verdadeiro sentido da autoridade, também as relações se recuperarão. Mas essa crise pode ser “a hora” de Deus para a VRC, já que ela nasce

do relacionamento com Deus, para o relacionamento com as pessoas, com os pobres.

Imagem1O futuro pertence àquelas/es que acreditam nos sonhos e numa VRC muito mais relacional; a quem abraça o futuro com esperança, como diz Papa Francisco, o grande místico dos nossos tempos. A Vida Consagrada vai ter futuro se for muito mais relacional do que atualmente. E quando se espelhar no ícone da Trindade e for de verdade reciprocidade relacional. E desenvolveu o tema sobre o que disse o Papa, “Abraçar o futuro com esperança” e dividiu-o em três partes: 1.abraço, 2.futuro e 3.esperança.

 I - Pe. Cencini apresentou o “abraço” como símbolo da Nova Evangelização.

Ninguém abraça qualquer um, mas abraça quem conhece, ama e com quem se relaciona. O ser humano precisa abraçar e ser abraçado. O abraço tem uma mágica em si mesmo.

Abraçamos pessoas, não o mundo em geral. Abraçar é um sinal de amor, capaz de ler o Divino no humano, já que a linguagem falada hoje é secular. Aprendamos esta linguagem para ser inteligíveis ao anunciar o Evangelho, para que nossa palavra abra brecha no coração humano, uma vez que, a linguagem espiritual morreu e só o grupo das nossas capelas compreende.

Não evangelizamos se falta amor no coração. Como VRC, nascemos para dizer que no coração humano há este desejo irreprimível de Deus, de ver seu rosto, de ouvir a sua palavra, que é a única que fala de vida eterna.

Pe. Cencini prosseguiu decorrendo sobre os conceitos de Aculturação e Inculturação do Evangelho e dos nossos Carismas. Tanto o Evangelho como o Carisma e a Espiritualidade devem ser traduzidos, assimilados e compreendidos para ser passado adiante. Assim, quem o entende é capaz de dizê-lo de uma forma nova, e graças a esse processo o Carisma se renova cada dia.

Pois a pessoa espiritual não é aquela que vive o Evangelho de forma privada, mas aquela que é capaz de mostrar o caminho, para o outro; a espiritualidade, o carisma é traído quando não é traduzido e transmitido.

 II- O objeto do abraço, é o futuro. E deve ser visto como não ficar preso ao passado e nem ficar choromingando. Olhar para o futuro é sinal de uma inteligência cheia de Fé. A Consagrada é a mulher do futuro, que se abre para o “mistério20170625_080818

Deus é mistério e não podemos pretender de entendê-lo. Ele não pode ser compreendido, porque Deus é mistério incompreensível, Ele tem demasiada luz e o olhar humano não pode olhar a luz. Só aos poucos nossos olhos se adaptam à luz, que é Deus; a oração é o que nos ajuda olhar o rosto luminosíssimo de Deus. É uma adaptação lenta, mas progressiva de olhar a Deus e nos deixar envolver pelo seu olhar brilhante.

Esse é o outro lado do abraço: deixar-se olhar por Deus.

O oposto do mistério é o “enigma”, ele não pode ser entendido por seu excesso de trevas, de obscuridade. Por falta de luz.

E nós somos o que? Mistério ou enigma?

O mistério é bom, e quer se relacionar com o bem. O enigma não quer se aproximar, nos rejeita, é como ídolo feito por mãos humanas: tem olhos e não vê, tem mãos e não apalpa, ...

O mistério é sensível, enquanto o enigma é insensível; o mistério nos abraça e o enigma nos rejeita. O mistério nos provoca, amplia nosso espaço ao máximo; o enigma não nos estimula, pelo contrário, nos afasta...

O mistério é divino e nos leva ao divino; o enigma é diabólico e nos leva ao mal.

Isso é questão de escolha.

Como estamos vendo o futuro: Misterioso ou enigmático?

O objetivo da VRC é ter os mesmos sentimentos do Filho em relação ao Pai. (Fil 2) Ter em nós a mesma sensibilidade de Cristo, de Deus.

Daí a necessidade de evangelizar a sensibilidade. Na formação levar o indivíduo a descobrir em si os próprios demônios. Quem na formação não aprende a tocar o próprio coração, não será capaz de chegar ao coração do outro. É o caminho do coração que nos orienta na vida, que nos leva à sensibilidade estética; como é bom rezar assim, é belo rezar assim. São vários os tipos de sensibilidade e cada pessoa é responsável pelas suas.

Formação significa curar a própria sensibilidade.

O itinerário formativo propõe a evangelização da sensibilidade e escolhas para o futuro. Os formadores sejam preparados e tenham antes cuidado de seus sentimentos, só então poderão cuidar dos outros. Criem projetos reais de programa de formação continuada para favorecer a relação interpessoal nos grupos e comunidades. E que possam sempre se questionar: Onde está meu Deus? Aprender a “ouvir o inaudível”. Que põe a mão na orelha para ouvir até o silêncio.

É apto para a VRC, “Aquele que tenha aprendido a aprender”.

20170625_091527 III- Como VRC somos missionários do Reino. E a esperança não se funda sobe números ou obras, mas sobre Ele, Jesus em quem colocamos nossa esperança. Ele não decepciona.  Não, não cedamos à tentação dos números e nem da eficiência...  A esperança é uma virtude que surpreende até o próprio Deus. Se a esperança for fraca, fraca será também a Fé e o Amor. A virtude da Esperança é muito importante para o Missionário; o oposto é o vírus da desconfiança.

Aprender a derramar lágrimas barulhentas, ter coragem de chorar, pois as lágrimas são literalmente o que faz barulho. Ou, fazer barulho de qualquer jeito. E por que? Pela violência de todos os tipos no mundo e em nosso país: migrantes, pobres, pequenos, sem terra, sem teto, mulheres... tudo isso põe em perigo a harmonia relacional. São problemas maiores do que nós, VRC.

Mas o que pode fazer a VRC, nós que rezamos pela Paz?

Devemos gritar e levantar a voz, pois essa é a nossa missão. Porque a VRC está tão silenciosa, quase que acomodada, cúmplice pela falta de coragem de denunciar; assim damos nossa colaboração para essa situação. Existe a corrupção política e religiosa também. O verdadeiro escândalo é a falta de responsabilidade. Caim matou Abel no momento em que negou sua responsabilidade-“Eu não sou o guardião do meu irmão”. Matou a relação.

Abel desse mundo, onde está o teu irmão Caim? Pecador, fraco, terrorista... se não somos verdadeiramente virgens e pobres, não podemos denunciar. Só sussurramos palavras sem compromissos, essas são lágrimas que não fazem barulho.

Assim nos tornamos uma VRC insignificante, medíocre e perdemos a credibilidade. Por isso mesmo não atraímos as vocacionadas.

Agora é a hora de levantar a voz, de denunciar. “Há uma dor parecida com a minha”?

Na formação o que formamos? Temos que formar o coração e pedir a graça de chorar e sentir-se responsáveis desse processo...

A autoridade na VRC nunca deveria se deixar corromper pelo poder, mas aprender com Cristo a arte de viver a autoridade. A compaixão é a fonte da verdadeira autoridade. Capacidade de sofrer com o outro, com o povo.

É credível o consagrado/a capaz de sofrer, pois o seu coração é livre para acolher o sofrimento do outro. Essa é a fonte saudável da autoridade, a sensibilidade. Simpatizar-se com ela. É a autoridade da compaixão, ou melhor, da sensibilidade compassiva; liberdade interior capaz de sentir o mal-estar do outro e acolhe-o em si mesma. O outro vai embora aliviado.

Pelo contrário, o poder não sabe sofrer. A autoridade de quem não é sensível a essa realidade é autoridade-poder.

A formação permanente deve estar nessa dimensão da compaixão no dia a dia.

Assim finalizamos a primeira parte do Seminário.

Lourdes Meller Bonapaz é Missionária da Consolata