32 anos de missão em Moçambique

Ir. Maria Gregória Tontini, fala um pouco da sua vocação... e da sua missão.

Por Irmã Rosa Clara Franzoi

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Um dia, uma colega de escola me disse: “Estou indo para o Colégio das Irmãs da Consolata em Rio do Oeste”. Aquilo me pegou de surpresa e me deixou triste, porque estava perdendo uma das minhas melhores amigas. Mas, ao mesmo tempo despertou curiosidade. Em casa perguntei para minha mãe quem eram as Irmãs da Consolata. Ela me explicou que eram Irmãs Missionárias vindas da Itália e que tinham um Colégio para adolescentes e jovens estudantes e também para jovens que pensavam um dia em serem missionárias com elas.

No final daquele ano, 1955 minha colega veio de férias. Estava muito contente. Ela falava das Irmãs e do Colégio com entusiasmo que acabou pondo mais lenha na fogueira... Isto para dizer, que Deus serve-se de mediações para chamar quem ele quer. Como no meu caso.

Sou Maria Gregória Tontini, catarinense, nascida no atual município de Ascurra. Venho de uma família simples, numerosa e profundamente cristã. Com meus 5 irmãos - hoje casados e com filhos - soubemos aproveitar bem dos sábios ensinamentos dos nossos pais, hoje falecidos. Eles nos educaram nos moldes da época; mas, o que nos passaram, serviu para que todos nós assumíssemos a vida com seriedade e responsabilidade.

No final das férias, janeiro de 1956, minha colega preparava-se para retornar ao Colégio. Insisti com meus pais para que me deixassem ir com ela, só por alguns dias. E fui. As Irmãs me encantaram: eram alegres, boas e entusiastas. Faziam de tudo para que aquela turma de adolescentes e jovens, barulhentas e alegres, se formassem bem para o futuro. Além do estudo elas davam também formação religiosa. Falavam da África e do que elas faziam lá. Contavam que, por causa da guerra, tinham sido expulsas, como todos os missionários e missionárias do país da Etiópia, antiga Abissínia. Aquilo deixava todas muito curiosas.

Começava uma nova vida para mim

Foram suficientes três dias, para que eu sentisse que aquele era o meu lugar. Alguma coisa dentro de mim me o confirmava. Em fevereiro de 1957 fui para ficar. Eu tinha 14 para 15 anos. Senti muito deixar meus pais, meus irmãos e colegas; mas o entusiasmo ajudou a amenizar a situação. Meu pai me acompanhou até o Colégio e lembro que fui muito bem acolhida. Com o passar do tempo eu fui me apaixonando pela vida missionária. É que para as adolescentes e jovens que aspiravam à missão, era ministrada uma formação diferenciada; e aquilo ia alimentando o nosso desejo e o nosso sonho futuro.

Terminado o estudo em Rio do Oeste-SC, em São Paulo continuei me preparando para a Profissão Religiosa no chamado noviciado; tempo em que se começa a ter mais contato com os conteúdos da vida religiosa missionária do Instituto. Com a Profissão Religiosa, finalmente, tornei-me membro efetivo da Família da Consolata. Em Sorocaba-SP fiz a experiência dos meus primeiros anos de vida missionária. Em várias paróquias me dediquei à catequese e, ao mesmo tempo, ia me aprofundando na espiritualidade do fundador o Pe. José Allamano. Manifestei o desejo de fazer o Curso de Enfermagem, o que me foi concedido. Em São Paulo, freqüentei a Escola de Enfermagem Camiliana, na Lapa, e fiz estágio em vários hospitais particulares de São Paulo, que me proporcionaram uma bagagem bem sólida e consistente, para poder enfrentar os grandes desafios que encontrei aqui na Missão.

A realização do Sonho da Missão

Em 1983, disse adeus ao Brasil e parti para Moçambique - África, indo morar na Província do Niassa. Claro, não seria normal se eu não tivesse sentido apartar o coração ao deixar a pátria, a família e ir a uma terra distante e ali acolher um povo novo, usos e costumes bem diferentes dos nossos. Mesmo que a língua era a mesma - o português - precisei ter muito fé naquele Deus que me escolheu, me chamou e me enviou... Ademais, era tempo de guerrilha, faltava liberdade religiosa, pois predominava a ideologia marxista. Aos poucos fui me inserindo no novo mundo. Comecei a trabalhar no Centro de Saúde do Governo, onde já atuava uma Irmã da Consolata e duas senhoras parteiras. Além do trabalho específico, ali em pude viver um pouco da experiência dos primeiros cristãos. Quando todos se retiravam do Centro, vinha um grupinho de crianças, cujos pais, funcionários do Centro, queriam que as preparássemos para a Primeira Eucaristia. Mas ninguém pode saber disso. Era proibido falar de Deus. Quando as crianças estavam preparadas, de carro íamos com elas para outra Região e lá eram realizados os atos religiosos. As crianças sabiam disso e eram alertadas, para que, quando alguém lhes perguntasse o que tinham ido fazer em Lichinga, elas deviam responder que tinham ido visitar parentes. Foram tempos difíceis aqueles! E muitos cristãos morreram por causa da sua fé.

Uma Vida a serviço dos irmãos e irmãs

Atualmente estou na Comunidade de Maúa e continuo no campo específico da saúde. Neste Posto trabalham comigo: 1 médico, 6 técnicos de medicina, 16 enfermeiras, 2 farmacêuticas, 2 técnicos de laboratório e 5 parteiras. Eu atendo a todos, mas as minhas preferidas são as mães gestantes e as crianças. Através do teste da AIDS sempre procuro verificar que a vida da mãe não esteja ameaçada; acompanho com muito cuidado as que precisam tomar os medicamentos retro virais, pois, sabe-se da importância da presença da mãe na família, especialmente quando ainda tem filhos pequenos. Acontece muitas vezes que, mulheres grávidas, ao descobrirem que foram traídas pelos maridos, a primeira coisa que querem é abortar. Ai se começa um longo caminho de conscientização e catequese, até que a mãe aceita de levar a gestação até o fim. Ainda bem que na cultura local, as tias maternas e as avós colaboram no cuidado e na educação dos sobrinhos e netos. Muitas dessas mães, algum tempo após terem dado à luz, voltam ao Posto com os filhos nos braços, felizes, para agradecer, dizendo que valeu a pena não terem abortado. Nestas situações, a gente precisa de muita ajuda de Deus, de muita luz do Espírito Santo, para ter nos lábios palavras sábias que toquem o coração dessas mães feridas. Para nós missionárias isso traz uma grande alegria, pois, são vidas que estão sendo salvas.

Na comunidade de Maúa somos 4 Irmãs e nos dividimos o trabalho apostólico, no acompanhamento das várias pastorais: carcerária, familiar, saúde, promoção da mulher e aulas de ética na Escola Secundária da Diocese. Temos esperança, que nos próximos anos, teremos também vocações missionárias, pois as famílias estão recebendo uma sólida formação cristã.

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