A EDUCAÇÃO DA FLORESTA (Entrevista com Irmã Noemi)

 Irmã Noemi Del Valle é Missionária da Consolata argentina

A EDUCAÇÃO DA FLORESTA (Entrevista com Irmã Noemi)

Irmã Noemi Del Valle é Missionária da Consolata argentina, depois da sua formação e estudos em São Paulo, no sul do Brasil, ela foi destinada à missão na Amazônia, onde condividiu caminhos e a vida do povo em Roraima, há 14 anos.

Irmã Noemi, conte-nos algo da missão em Roraima, ao norte do Brasil.

20190610_170128Meu envio missionário foi para a população indígena. Povos indígenas da floresta, porque eu venho de um povo originário andino. Para mim é uma experiência muito rica, conviver com uma cultura diversa, é uma grande riqueza, na verdade. Estou com o povo Yanomami já fazem 7 anos, em Catrimani.

A equipe missionária presente no Catrimani, é formada pelos Missionários e Missionárias da Consolata, que muito me ajudaram para entrar nesta realidade: por exemplo, com o estudo da língua, que ainda não aprendi bem, mas, me defendo!

E após a inserção na propriedade Yanomami, qual foi o seu serviço?

Comecei a trabalhar na área da esucação, ajudando na formação dos professores Yanomami: é um processo que nossas Irmãs começaram já no ano 2000. É um ambicioso objetivo, sobretudo quando se fala de temas burocráticos do Governo, mas era um desejo dos próprios Yanomami que isso pudesse ser feito.

Em que consiste o projeto? No reconhecimento, da parte do Governo brasileiro, do ensinamento realizado na comunidade indígena?

Exatamente. A formação de professores com início na própria área indígena, com uma ONG e a Diocese de Roraima que era um fator caro para o âmbito educativo, mas então surge a reflexão, que o direito de toda a instrução deve ser assegurada em cada cidade brasileira, compreendendo ‘Os povos Yanomami da floresta’, e é por isso que se incluiu o Governo. A formação de professores, o reconhecimento dos estudos e um pequeno salário para os docentes locais, que os ajudaria para comprar o necessário para a pesca e a cultivação agrícola.

Depois, eu também fazia um trabalho com as mulheres Yanomami, juntamente com Irmã Mary Agnes. Foi lindo acompanhar o processo e ver o protagonismo delas em resolver as problemáticas e tomar as decisões.

Na cultura Yanomami, a mulher tem um círculo ativo neste processo?

Quando eu comecei, já existia esse processo que levava as mulheres a uma participação mais ativa nas decisões da comunidade, porque na verdade, eram os homens que participavam e falavam, nas reuniões, mas de noite, na maloca (casa comunitária dos Yanomami) as mulheres só falavam com seus maridos, ajudando-os nas reflexões.

Agora, a mulher está mais presente: desde 2008 foram iniciados os encontros das mulheres, como uma continuação de toda a experiência que elas tiveram em outros eventos com os povos indígenas de Roraima. A Diocese apoiava as mulheres até que conseguiram participar de todas as iniciativas do Conselho Indígena de Roraima; e então decidiram ter esse tipo de encontros também na área Yanomami, discutindo situações que lhes interessavam no próprio contexto Yanomami.

Iam na cidade para esses encontros com mulheres de outras etinias?

Catrimani, suore davanti alal missione

Catrimani, suore davanti alal missione

Elas foram às comunidades que se revezaram para hospedar. Agora elas fazem reuniões na área Yanomami, escolhem um tema atual, por exemplo, no ano passado era “território”, pois a situação brasileira ameaçava o direito de viver em paz e autonomia em seu território indígena. Houve de facto uma invasão massiva, que resultou num desastre ecológico e humano: são grupos que vêm para a extração ilegal de minerais, e são grupos armados. Criou-se uma situação de grande insegurança e com isso o pessoal médico que entrava periodicamente na área indígena não quis mais ir deixando os Yanomami abandonados a si mesmos.

Verdade, lembro que se falava muito na mídia sobre os problemas de saúde dos Yanomami...

O problema é complexo, vai além do problema de saúde em si: em casos de doenças graves, os Yanomami se deslocam para a cidade, onde há um hospital para eles. Mas os familiares que os acompanham precisam encontrar um lugar para ficar, mesmo que por meses. Tem uma casa de “apoio” que eles podem usar, mas lá dentro não acontecem coisas muito boas e há muita violência. No último ano, ocorreram muitos casos de violência ligados ao alcoolismo. Quem chega é levado ao consumo abusivo de álcool por outros indígenas que já estão na cidade há algum tempo...

Voltemos à floresta e ao seu trabalho na educação...

Chama-se “Educação da Floresta”, pois se refere integralmente ao contexto de vida do povo Yanomami. Nos meus 7 anos de serviço acompanhei o processo burocrático de validade de documentos de estudo e trabalho, e acompanhei os professores das diversas comunidades, na supervisão.

É uma modalidade de educação que considera os elementos da cultura e do contexto em que vivem esses povos, mas também elementos culturais da sociedade majoritária do país. Não é fácil ingressar neste tipo de formação e o Estado não auxilia suficientemente o processo.

A formação dos professores é na floresta ou na cidade?

Ultimamente isso tem sido feito na cidade e nem sempre é positivo. Embora no ano passado tenha tido um encontro na missão Catrimani, onde as comunidades elaboraram pontos para apresentar ao Governo, em forma de ofício.

Com o Governo (do Presidente Lula,) há esperança de dar continuidade ao projeto denominado “Conhecimento Indígena”, que tem como objetivo desenvolver o material didático necessário aos professores. Trabalhamos durante 5 anos a nível linguístico e pedagógico neste material.

Agora você está na cidade...

Sim, agora em Boa Vista continuo ajudando no nível logístico, a equipe missionária Catrimani e nos processos de formação de professores. Nestes tempos de emergência na área Yanomami, estou acompanhando os indígenas que vêm para a cidade por problemas de saúde: mães, crianças... chegam sem nada, portanto com um projeto da Diocese de: Quais são os princípios deste tipo de educação?

O bilinguismo, estudando nas línguas Yanomami e Portuguesa; a recuperação e valorização da própria história e da identidade do povo. É um processo lento, mas está dando frutos.

Em Roraima, ajudei no atendimento oferecendo sabonete, cobertores (eles sofrem muito com o ar condicionado!), mas também ajudando a garantir que o atendimento médico fosse feito na floresta.