CONVIVÊNCIA PACÍFICA

Na Guiné Bissau, cristãos e muçulmanos trabalham juntos, quebrando o mito de conflito obrigatório.

Por Cristina Uguccioni

Na Guiné Bissau, cristãos e muçulmanos trabalham juntos, quebrando o mito de conflito obrigatório.

Histórias da convivência entre os fiéis das duas religiões. Viajo no país africano para descobrir uma sociedade de colaboração, que une as comunidades cristãs e muçulmanas.

17240590_2006032066290837_4644172159563558517_oTreze mulheres, dos 42 aos 85 anos, provenientes de cinco países. Treze mulheres, que há anos estão doando sua vida para anunciar o Evangelho, construir um bom futuro para as jovens gerações, e dar suporte à vida das mulheres e crianças, encorajando laços serenos entre os fiéis de religião diferente. São as Missionárias da Consolata que trabalham em três localidades da Guiné Bissau, pequeno país africano de 1.800.000 habitantes, dos quais 46% de fé islâmica, 15% de fé cristã, e o restante da população segue a religião tradicional.

Respeito autêntico

Irmã Giovanna Panier Bagat, 71 anos, residente em Bor, subúrbio periférico de Bissau, capital, é a superiora das irmãs. Ela afirma: “Neste país as relações entre cristãos e muçulmanos, são na verdade pacíficas. Vive-se junto na concórdia, em todos os níveis. O nosso bispo, por exemplo, quando organiza algum encontro importante não deixa de convidar os “imam” locais, os quais sempre participam de bom grado. Na vida cotidiana as pessoas manifestam respeito sincero pela fé alheia. Nós irmãs, sentimo-nos apreciadas pelos muçulmanos, que compreenderam o nosso empenho desinteressado em favor de todos. Cuidamos de qualquer pessoa que necessite de ajuda e trabalhamos junto com cristãos e muçulmanos para edificar uma sociedade mais justa. Acreditamos ser muito importante tecer e encorajar boas relações entre as diversas comunidades de fiéis”.

O Liceu

4791fe1c-9f82-11e8-9169-223314c4d2b8_DSC03275-knPG-U112086891376R5H-1024x576@LaStampa.itNa cidadezinha de Empada e nas 85 aldeias circunvizinhas, os muçulmanos constituem 90% da população. As irmãs chegaram em 1992, a convite do bispo local, para dar início a uma nova missão. "A convivência com a comunidade islâmica foi, desde o começo, muito serena, tanto assim que no dia 31 de dezembro daquele ano, os fiéis muçulmanos, os seguidores da religião tradicional e os cristãos de outras denominações, acolheram com alegria o convite das minhas co-irmãs de fazer juntos, uma oração de agradecimento a Deus pelo ano prestes a findar”, lembra irmã Giovanna.

Em Empada, além das atividades pastorais, as irmãs dirigem uma Escola Infantil e um Liceu da Diocese, mas que funciona alicerçado num tripé: a missão católica, o governo e a comunidade. Atualmente o Liceu acolhe mais de 900 jovens cristãos e muçulmanos. Também os professores pertencem às duas religiões. As relações são muito serenas, amigáveis, tanto entre os jovens, como entre os adultos: trabalha-se junto com verdadeiro espírito de colaboração.

O educador muçulmano

Entre os professores de fé islâmica está Seco Bondé: 42 anos, casado pai de duas meninas. Ensina francês e é também secretário administrativo. Ele afirma estar convencido que a instrução escolar desempenha um papel decisivo na construção de uma sociedade pacífica e coesa: “uma sociedade sem escola é uma sociedade perdida” – diz ele. E, a propósito de sua experiência profissional, declara: “Gosto muito de trabalhar com as irmãs no Liceu. Tenho ótimas relações com todas elas. Sou muçulmano e tenho livre acesso a casa delas seja aqui em Empada como em Bor. Tenho, outrossim, relações verdadeiramente boas com os cristãos, tanto assim que o meu melhor amigo é cristão. Todos os sacerdotes que, no decorrer dos anos, vieram a Empada, tornaram-se meus amigos”, e acrescenta : “Aqui na cidade, como no restante do país, a convivência entre cristãos e muçulmanos é serena, partilhamos tudo. Penso que devemos trabalhar todos juntos, a fim de que as novas gerações possam crescer acreditando nos valores humanos, convencidos que todos viemos do mesmo Deus criador e a Ele um dia voltaremos.

A subnutrição infantil

IMG_0055Na Guiné Bissau pobreza e subnutrição infantil são difusas. Em Empada as Irmãs fundaram um Centro Nutricional, no qual são acolhidas as crianças desnutridas junto com suas mães, para orientá-las a cuidar bem dos seus filhos. “Na Guiné, as crianças são desejadas, mas muitas vezes depois são negligenciadas, sobretudo com referência à sua alimentação e saúde (também porque os tratamentos são pagos)”. Diz irmã Giovanna: “A educação torna-se, portanto, fundamental. Nós, juntamente com os nossos colaboradores, também de fé islâmica, nos empenhamos a fazer com que as mães entendam a importância de assegurar uma alimentação que permita aos seus filhos o pleno desenvolvimento físico e um crescimento sadio”.

Na Ilha de Bubaque, no arquipélago dos Bijagós, onde a maioria da população segue a religião tradicional, as irmãs, além das atividades pastorais e promocionais, sobretudo das mulheres, também fundaram um Centro Nutricional. Ali são atendidas as crianças subnutridas não só de Bubaque, mas também de outras Ilhas do Arquipélago. Com frequência, até mesmo a bordo de canoas, as irmãs visitam as comunidades dessas Ilhas.

A promoção da mulher

17425122_1459979100687067_8708899240117955855_nInfelizmente, ressalta irmã Giovanna: "a valorização da mulher deixa muito a desejar. As mulheres, sejam elas cristãs ou muçulmanas, são submissas aos maridos e arcam com o peso de muito trabalho. Cabe a elas cuidar dos filhos, providenciar a água e a lenha necessária para as necessidades da família e comercializar os seus poucos produtos agrícolas ou o peixe nas barracas do mercado da aldeia. Nós procuramos estimular as mulheres a tomarem consciência do seu valor e das suas capacidades. E, sobretudo, as incentivamos a estudar. Neste sentido as Irmãs criaram uma série de iniciativas. Em Bor, por exemplo, abriram um centro de formação feminina, onde são oferecidos cursos quinzenais de alfabetização, puericultura, educação sanitária, alimentação e artesanato".

Rezar para ter um filho

Para ilustrar a qualidade das relações entre cristãos e muçulmanos, irmã Giovanna narra um episódio: "Um artesão muçulmano, que às vezes presta serviço na missão, veio pedir-nos que rezássemos para que ele e sua esposa conseguissem ter um filho, que há muito tempo desejavam. Passado algum tempo, nasceu um menino, que infelizmente veio a falecer depois de poucos meses do nascimento. Aquele senhor veio mais uma vez pedir que rezássemos e perguntou-nos se podia vir rezar conosco. No dia marcado ele chegou para a oração. Nós começamos a rezar o terço, ele tirou do bolso uma folhinha na qual tinha escrito a Ave Maria e acompanhou a oração. Em seguida falamos de Jesus e do Sacrário que estava à nossa frente. Então ele se levantou e fez uma oração muito comovedora, pedindo a Deus o dom de um filho e concluiu a oração com um agradecimento. Nós encerramos a oração com o sinal da cruz. Ele pediu-nos que repetíssemos o sinal da cruz várias vezes porque queria aprendê-lo. Pouco tempo depois, sua mulher ficou grávida. Ele veio imediatamente dar-nos a alegre notícia. Regularmente informava-nos sobre o andamento da gravidez. Quando a menina nasceu, imediatamente nos telefonou e, passados alguns dias, vieram visitar-nos trazendo a menina para que a conhecêssemos".

Cristina Uguccioni é jornalista do Vatican Insider, o site do quotidiano La Stampa.

www. lastampa.it/vaticaninsider/ita - Tradução Hedviges Giacomozzi MC.