Servidora da Missão

Irmã Eleusa Socorro do Carmo Ferreira é missionária da Consolata na Venezuela e fala um pouco sobre a crise econômica e política pelo qual o país atravessa.

de Paulo Mzé

Irmã, conte para nós a história da sua vocação e sua primeira experiência como Missionária da Consolata.

A história de minha vocação não tem nada de extraordinário, é muito simples. Está relacionada com a presença das Missionárias da Consolata (MC) em Auriverde, uma pequena vila no município de Crixás, estado de Goiás. Eu tinha 7 anos de idade quando conheci as MC. Elas desenvolviam trabalho de pastoral, promoção das mulheres, atuavam também na educação. A minha relação com elas se deu na catequese e na escola, onde lecionavam ensino religioso. As que foram minhas professoras, Ir. Cecília Costa e Miriam Depiné, com suas histórias de missão, me faziam viajar pela África afora e a desejar profundamente ser como elas. A visão que a Eleusa criança e adolescente tinha das irmãs, é que elas eram boas porque eram pessoas de Deus. Isso também me fez desejar ser como elas.

test3Essas sementes que foram plantadas dentro de mim quando ainda era criança, começaram a germinar depois dos 17 anos, quando comecei a pensar seriamente entre casar ou ser como as irmãs. Depois de um processo de acompanhamento vocacional, quando já tinha 20 anos de idade, em agosto de 1991 entrei no Instituto das MC na comunidade do Jardim Consolata para fazer o período que naquele tempo se chamava aspirantado. A primeira profissão religiosa aconteceu no dia 28 de janeiro de 1996. As etapas de formação inicial me ajudaram a discernir o chamado e a consagrar minha vida a Deus para a missão.

Depois da primeira profissão, fui destinada para o Centro Comunitário Nossa Senhora Aparecida, no Jardim Peri, periferia de São Paulo, para o período chamado naquele tempo de ano apostólico. O contato com as crianças e adolescentes do Centro Comunitário e com as comunidades de base do entorno foi oportunidade para cultivar minha vocação para a missão dentro do Carisma MC. Depois do ano apostólico, veio a etapa de estudos teológicos. Durante esse período vivi na Casa Regional, em São Paulo.

Durante dois anos nos fins de semana ia ao Centro Comunitário para a pastoral de catequese. Trabalhei na Favela do Boi Malhado com a irmã Neusa, com a catequese bíblica para as crianças. O que mais me marcou foi que a catequese era dada debaixo das árvores dentro do Cemitério Cachoeirinha porque não tínhamos um salão para reunir essas crianças. Significou também aquecimento para seguir os passos de Jesus Missionário no coração na Amazônia venezuelana, entre o povo indígena Ye’kuana. Acompanhava também a pastoral da moradia.

Você passou uma boa parte da sua caminhada missionária na Venezuela. Conte-nos um pouco da sua experiência naquele país que hoje tanto assusta o mundo inteiro...

Cheguei à Venezuela em abril de 2001. O país naquele momento não tinha nada que ver com a realidade de agora. Conheci outra Venezuela. Ou melhor, vi com meus olhos o processo de declínio daquele lindo país. Isso me dá coragem de permanecer com aqueles que ainda não o deixaram, ou que nunca vão deixá-lo porque não tem meios.

Desde que cheguei à Venezuela, sempre estive entre o povo Ye’kuana e Sánema que estão no estado do Amazonas, município Manapiare, região Alto Ventuari. A sede da missão se encontra na aldeia Tencua. Desde onde acompanhamos as demais aldeias do Alto Ventuari que ao todo são 35. A nossa presença em Tencua é de 22 de abril de 1991. Acompanhamos aquele povo nas áreas de saúde, educação, acompanhamento e formação de lideranças, pastoral de catequese e sacramental...

Quando cheguei a Tencua a primeira coisa que tive que enfrentar foi o choque cultural. Pois nunca tinha pisado uma comunidade indígena. Sentia-me como que estava diante de outro mundo, muito diferente do meu. Provei a solidão, sentia-me como um peixe fora da água. A consciência de ter sido enviada como mulher consagrada a Deus para a missão, os encontros pessoais com Aquele que me enviou, o estudo da língua, leituras sobre a etnia, me ajudaram a pouco a pouco ir entrando no misterioso e encantador mundo Ye’kuana. Hoje posso dizer que quanto mais os conheço, mais me apaixono por eles.

A atual situação do país nos afeta a todos, o reflexo da crise chega até os confins daquela nação, isto é, onde estamos nós com os filhos da mãe selva. A crise socioeconômica e política é de conhecimento de todo o mundo. O que posso narrar é a atitude que nossa comunidade MC em Tencua assumiu diante dessa realidade. Não lamentamos a falta de... continuamos partilhando o pouco que temos; buscando alternativas; fazendo da situação oportunidade para superar o egoísmo; crescendo na solidariedade; vivendo de fato o voto de pobreza. Tem sido um tempo de forte presença do Deus providente, que quando menos esperamos, aparece com suas surpresas para encorajar-nos. Isto é, um quilo de açúcar que chega, um litro de óleo, peixe...

As Missionárias da Consolata tem como carisma a Missão Ad Gentes. O que você percebe que está mudando na realidade missionária além-fronteiras no mundo de hoje?

Com a globalização, o mundo parece um só, como se as fronteiras fossem superadas. As variedades de culturas se misturam. As fronteiras não são só geográficas, mas também humanas. Isso nos desafia a reconfigurar nossa visão de missão Ad Gentes.

Os missionários(as) não são só europeus, mas latinos, africanos, asiáticos... Nos abrimos a acolher o diferente como possibilidade, ou estamos condenados(as) a desaparecer.

O que você diria a quem quer ser missionário/a além-fronteiras hoje?

Que tenha coragem de colocar-se a caminho, porque Aquele que nos chama e envia onde Ele vê que precisa, não nos deixa sozinhos. A missão é Dele, nós somos apenas simples servidores(as). Por isso, não ter medo, já que Ele é o dono, então nos dá a graça.

Paulo Mzé, imc, é diretor da Revista Missões.