O anjo da estrada, luta em favor dos “últimos da fila”.

O nosso serviço é voltado em particular, àquelas que deixam a rua para iniciar um caminho de reintegração social e familiar.

Por Anna Pozzi *
Foto: Arquivo Andare

missionarias_da_consolata_testemunho_maio__2009

A missionária da Consolata, irmã Eugênia Bonetti, dedica-se ao combate do tráfico de jovens destinadas à exploração sexual. Foi convidada a participar do I Congresso Latino-Americano de Pastoral de Rua, realizado na Colômbia de 19 a 24 de outubro de 2008.

O grito da jovem Maria

Um dia, do escritório da Cáritas italiana, irmã Eugênia dirigia-se para a missa. O grito de socorro de uma jovem nigeriana lhe interrompeu o caminho e daquele momento em diante, mudou seus projetos de vida e de missão. Irmã Eugênia, 69 anos, dos quais 24 vividos no Quênia, ainda tem bem presente aquele episódio aterrador. O rosto de Maria - era este o nome da jovem agredida - demonstrava horror e desespero. O seu grito encontrou eco no coração de irmã Eugênia. Um pedido de socorro, de misericórdia, mas também um grito de denúncia e de condenação. A luta da missionária, das estradas da África transferiu-se, às estradas e ruas da Itália, de dia e de noite, em favor e ao lado das mulheres condenadas à escravidão sexual. Meras prostitutas para quem as usa; vítimas e escravas para quem conhece as suas histórias de desonra e submissão.

Irmã Eugênia encontrou milhares delas na Nigéria, em Turim, Tirana, Milão, Bucareste e em outros lugares de origem, trânsito e destinação de jovens traficadas. Desde que em 1993 começou a enfrentar o problema, jamais deixou de atender pessoalmente os inúmeros casos que encontrou, além de ter criado uma rede de pessoas, que com ela agem, na prevenção, denúncia, e combate a este crime.

missionarias_da_consolata_testemunho_maio2__2009

Coração africano

“Quando parti para a Missão do Quênia - narra a missionária - no longínquo ano de 1967, pensava que a minha vida fosse dedicada à África. Lutávamos para promover a educação, especialmente das jovens e para a emancipação das mulheres, num contexto fortemente machista. Quanta alegria, determinação e coragem! Eu sentia que a mensagem do Evangelho, de esperança e libertação, trazida por Cristo, se realizava nos ideais que me haviam fascinado na juventude e que me acompanharam na busca vocacional e no desejo de me tornar missionária na África”.

Hoje, às vésperas dos 70 anos de idade e dos 50 de Profissão Religiosa, irmã Eugênia continua cheia de energia e de projetos, determinada, batalhadora, sempre próxima das pessoas, especialmente das mulheres. Atrás do rosto desta grande empreendedora, decidida e eficiente, bate um coração que muito se dedicou a África; um coração vital, hospitaleiro, misericordioso, que sabe acolher as riquezas e as fraquezas das pessoas, a alegria e o cansaço, as esperanças e as decepções. Com seu caráter forte e batalhador, não podia aceitar, impassível, a dolorosa decisão de ter que voltar para a Itália em 1991. E a outra vocação surgiu no encontro fortuito com Maria. “Suas roupas, suas atitudes, mostravam abertamente de onde vinha e o que fazia. As pessoas que cruzavam nosso caminho admiravam-se de ver uma religiosa ao lado de uma prostituta. Eu mesma não sabia como explicar isto às pessoas. Estava apressada para chegar em tempo à missa. Diante do pedido de socorro, parei para escutá-la. E graças a Maria, descobri mais uma vocação dentro da minha vocação missionária”.

As muitas Marias da vida

Na época, Maria tinha 30 anos e três filhos, deixados na Nigéria. Comprada e vendida por diversos traficantes, meses de viagem em condições desumanas, Maria não imaginava que o trabalho que lhe foi oferecido significaria vender o corpo para pagar uma dívida absurda, ajudar sua família e obter os documentos. Sua história é semelhante a de muitas outras jovens nigerianas, e que tende a atingir meninas sempre mais jovens e com menor grau de instrução, enganadas por uma rede de traficantes que negocia a exploração das escravas: 30 mil apenas na Itália.

O desafio

“Esta nova situação - diz irmã Eugênia - me desafiava, como pessoa e como religiosa, eu que questionava a minha vida, a minha vocação e as minhas motivações missionárias. Eu sonhava com a África e queria levar estas mulheres para a minha casa! Seu grito, porém, dizia-me algo mais. Talvez que eu pudesse ser o instrumento para uma nova missão, nova fronteira, ligada à dignidade da pessoa; em especial a pessoa humilhada, esmagada, explorada. Cristo colocou o ser humano e a sua dignidade como centro da sua obra redentora e deve ser este fundamento do nosso agir e do nosso serviço. A missão está lá onde vivem as pessoas, muitas vezes em condições desumanas. É ali que devemos mostrar que somos discípulos missionários de Jesus Cristo”.

Uma resposta corajosa

Nos Estados Unidos, o trabalho da irmã Eugênia foi duplamente reconhecido pelo Departamento de Estado, em 2004 e em 2007 por sua luta contra as escravidões modernas. Em 2007, George W. Bush e sua esposa Laura, em viagem pela Itália, quiseram encontrar-se pessoalmente com ela. “O que podemos fazer para apoiar o seu trabalho?” perguntaram. E irmã Eugênia respondeu: “combater muito mais do que já se faz, todas as formas de pobreza e corrupção. Promover a educação, trabalho e formação humana para que cada pessoa possa criar em si a consciência do valor da própria vida e dignidade”.

“A Igreja e todos os cristãos, são chamados a fazer alguma coisa” – sustenta a missionária – “O silêncio e a indiferença podem ser uma forma de conivência”. Irmã Eugênia procurou e encontrou aliados: em primeiro lugar as 250 religiosas pertencentes a 70 congregações diferentes, que, em mais de uma centena de centros e casas de acolhida, lutam diariamente para tirar estas jovens das ruas e oferecer-lhes uma chance de futuro. “Nossa força é o trabalho em rede”, explica. “Uma rede que abrange uns 30 países, de origem, trânsito e destinação das jovens traficadas. Em toda parte, outras Irmãs locais fazem um trabalho precioso de prevenção e sensibilização, de proteção às moças e suas famílias, e de acolhida e inserção na sociedade das que voltam para casa.

O reconhecimento

As jovens surpreendem. Como Joy, que retornou à Nigéria. Quando se encontra com irmã Eugênia abraça-a longamente. Joy é uma jovem bela e sorridente. Diplomou-se recentemente em psicologia com o objetivo de ajudar outras jovens, traumatizadas como ela, a cicatrizar as feridas da alma, e a recomeçar a viver. “Obrigada, irmã Eugênia, muito obrigada!” Não se cansa de repetir-lhe e de abraçá-la, com um largo sorriso e olhos brilhantes de reconhecimento. É assim esta “rocha” chamada Eugênia, que não resiste e se emociona a cada reencontro.

No Congresso de Bogotá, pediram a ela para que apresentasse o trabalho que está sendo feito na Itália para recuperar e reintegrar quem é vítima de exploração sexual. “A nossa experiência de religiosas que procuram há vários anos dar respostas adequadas a este tipo de problema, através de uma centena de comunidades de acolhida para mulheres exploradas e os seus filhos, suscita sempre grande admiração. Para nós consagradas, esta resposta, nada mais é do que uma maneira de viver a nossa fidelidade e atualidade dos nossos carismas de fundação, que tem especial preocupação com a promoção da mulher e a proteção às crianças. O nosso serviço é voltado, em particular, àquelas que deixam “a rua” para iniciar um caminho de reintegração social e familiar. É este um trabalho que fazemos em conjunto com a Cáritas e com todas as forças que operam neste sentido. Graças a esta colaboração, milhares de mulheres puderam mudar de vida e reintegrar-se na sociedade. Só trabalhando em comunhão e não por competição, conseguimos tais resultados”, concluiu. ν

* Anna Pozzi é jornalista italiana.
(CC BY 3.0 BR)