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Irmã Madalena, natural de Massinga, na Província de Inhambane, Moçambique, trabalhando atualmente na Bahia, agradece por ser missionária, e com gestos concretos procura testemunhar o grande Amor de Deus na defesa da vida, em especial dos pequenos e indefesos.

Por  Madalena Xavier *
Foto: Arquivo MC

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A Paróquia Sagrado Coração de Jesus de Monte Santo, diocese de Bonfim, BA, está aos cuidados dos missionários e das missionárias da Consolata. Compõe-se de 180 comunidades, num perímetro de três mil quilômetros quadrados. O trabalho pastoral é imenso e seriam necessários muitos missionários para chegar regularmente a todas as comunidades. Nós somos apenas uma equipe de oito. Vivemos a vida do povo: simples, alegre, acolhedor e solidário, rico de religiosidade e tradições afrodescendentes. A fé desta gente brota da experiência do Deus dos antepassados, protetor e salvador da vida. Este povo tem uma longa história de sofrimento e muitos, especialmente os do interior vivem em situações precárias. A aridez da terra, com as secas prolongadas machuca a vida do pobre. E se não bastasse, juntam-se injustiças sociais gritantes, capazes de destruir toda e qualquer esperança. Assim mesmo o povo teimosamente acredita em dias melhores e coloca o seu futuro nas mãos de Deus.

Missão é partilha

Sou moçambicana e há dois anos trabalho no sertão baiano. Estou envolvida nos vários programas que se desenvolvem nas CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, especialmente na formação de lideranças. Atuo também na Pastoral da Juventude, na promoção humana cristã e vocacional e na Pastoral da Liturgia, na preparação das Celebrações da Palavra. Sou responsável pela Pastoral da Criança, trabalho belíssimo, que abraça toda a família, com cuidados especiais para as mães gestantes. Esta Pastoral, além da preocupação com a saúde e a educação, proporciona às mulheres, pequenas atividades de geração de renda. No desenvolvimento dessas atividades, muitas vezes tenho me encontrado diante de impasses, que procuro resolver com muita escuta e diálogo com as pessoas envolvidas e com a colaboração da comunidade. Um dos problemas que emergem continuamente é a situação das mães gestantes. Muitas vezes elas se encontram em situações limite e o desespero as leva a praticar o aborto como solução. Quantas vezes elas me dizem: “irmã Madalena, para que dar à luz um filho, que será destinado ao sofrimento, já que eu não tenho condições de criá-lo? Nestas situações a minha missão é a de consolar, confortar, sustentar, e colocar estas mães no coração misericordioso de Deus; ele que se preocupa e alimenta as aves do céu e veste de cores os lírios do campo que não trabalham nem fiam, como não irá cuidar destes pequeninos, seus prediletos? (cfr. Mt 6, 28 ss).

O valor da vida

Tempos atrás, com Luiz e Fátima Bazeggio, um casal do grupo dos LMC, Leigos Missionários da Consolata, que viera de São Paulo para uma experiência missionária, fui visitar dona Maria Josepha, conhecida por “dona Zefinha”. A história dela já vinha me preocupando há alguns meses. Grávida do seu décimo filho ela não aceitava mais um. Apesar de tentar interromper a gravidez, a criança teimosamente sobreviveu. Ela estava transtornada e decididamente não queria o filho. Aos poucos comecei a me aproximar daquela família. Nos vários encontros a sós com dona Zefinha, pude entender o tamanho da sua angústia, sofrimento e preocupação. Fui lhe mostrando o grande valor da vida humana e o sagrado direito que aquela criança inocente tinha. Comecei também a envolver a comunidade, pois esta família precisava urgentemente de muito apoio, amor, compreensão e ajuda. Começamos também a rezar; pedindo a intercessão da irmã Irene Stefani, missionária da Consolata, para que tomasse em suas mãos aquela situação, já que em vida, ela demonstrara um grande carinho e atenção para com as mães prestes a dar à luz. Pedíamos que ela intercedesse junto a Deus e Ele tocasse o coração de dona Zefinha, para que ela aceitasse levar a término a gravidez. A comunidade se dispôs a ajudá-la a criar aquele filho, que no ventre materno, lutava pela vida. A mãe, sentindo-se apoiada e amada, finalmente aceitou: e ao fim dos nove meses, Zefinha deu à luz Pedro Guilherme, uma criança esperta e cheia de vida. Foi uma festa. Todos queriam conhecer o Pedrinho e sua mãe, pois de certa forma, se sentiam responsáveis por aquela nova vida. Hoje, ele está crescendo esbanjando saúde e sendo alvo da atenção de todos, mas especialmente da mãe que o ‘adora’. Mesmo inconsciente, com seu lindo sorriso, ele conquista os vizinhos, as crianças e todas as pessoas que o ajudaram a nascer.

O impacto na minha vida

Este caso teve uma repercussão também na minha vida. Eu tinha muito claro diante de mim as palavras de Jesus: “Eu vim para que todas tenham vida e vida em abundância”(Jo 10, 10). Aquela era uma situação que tinha forte relação com a minha vida de religiosa missionária: ser mulher corajosa e profética, através do meu testemunho de anúncio e denúncia. Logo nos primeiros meses em que acompanhei de perto dona Zefinha, eu sentia que devia ser fiel ao princípio evangélico da preservação daquela vida indefesa. Comecei a sentir dentro de mim uma força e uma audácia para colocar-me como ‘sinal de contradição’. Ali, eu não tinha escolha, devia mostrar a minha postura coerente em favor da vida. Para mim, o fato de ter salvo uma vida destinada à morte antes de nascer é algo fantástico! Hoje eu considero o pequeno Pedro meu filho também; um filho gerado num processo de luta e sofrimento. Na minha oração diária agradeço a Deus por ser mulher e consagrada, capaz de pôr em ação toda a minha sensibilidade feminina, sendo sustento e amparo para tantas mães que se encontram em situações difíceis. Em colaboração com as irmãs da comunidade, eu continuo acompanhando com muito amor esta família, que ainda necessita de apoio. Sou grata a Deus por ter feito de mim um instrumento seu para salvar da morte o pequeno Pedro e fazer com que a paz e a serenidade voltassem à família da dona Zefinha. Deus me proporcionou a oportunidade de experimentar o consolo de quem, em cada circunstância, se deixa guiar pelo Espírito, e assim ajudar a comunidade cristã.

* Madalena Xavier, MC trabalhando em Monte Santo, Bahia.
(CC BY 3.0 BR)