Um marco na história

Da destruição nasceu a solidariedade na Ilha de Soga, Guiné Bissau.

Por Maria de Lourdes Pereira *
Foto: Arquivo MC
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Procissão com o Quadro da Consolata para entronização na nova capela.

A Guiné Bissau é um país da costa ocidental da África. Faz fronteira ao norte com o Senegal, ao sudeste com a Guiné Conacri, ao sul e a oeste com o Oceano Atlântico. Além do território continental, a Guiné possui cerca de 50 a 80 ilhas que constituem o Arquipélago dos Bijagós. Foi colônia de Portugal até 10 de setembro de 1974, quando conquistou sua independência após 11 anos de luta. Sua capital é Bissau e ostenta algumas infraestruturas modernas, embora o país esteja entre os dez mais pobres do mundo. A maioria dos guineenses vive da agricultura de subsistência, enfrentando secas terríveis e muitas doenças infecto-contagiosas. Sua superfície é de 36.135 km2 e sua população alcança 1.545.479 pessoas. A língua oficial é o português – falado por apenas 2%, porque a maioria fala o crioulo e outras línguas nativas. Os maiores grupos étnicos linguísticos são: Balante, Fulan, Bijagós, Mancanha Papeis, Mandingo e Malinko. A religião predominante é o Animismo (56%), cuja prática é o culto aos antepassados. Os muçulmanos são 50%, os cristãos e católicos são apenas 8%. Os demais seguem as religiões tradicionais.

É neste contexto desafiador que nós, missionárias da Consolata, aqui estamos desde 1992. Inicialmente nos estabelecemos em Empada, ao sul do país, a 370 km da capital, Bissau. Por quatro anos, desenvolvemos ali um trabalho de assistência com crianças órfãs. A partir do ano 2000 começamos a visitar algumas ilhas e a realizar algumas atividades nos lugares onde as necessidades eram mais gritantes. Acabamos por nos estabelecer numa delas – a Ilha de Bubaque. Porém, em cinco delas continuamos a fazer nossas visitas. Não é que podemos fazer muita coisa, mas procuramos encontrar as pessoas, dialogar com elas, escutá-las e realizar alguns trabalhos nos campos da saúde e da evangelização, promovendo a mulher e orientando as mães que têm crianças desnutridas. Os católicos e mesmo os cristãos são quase inexistentes nestas ilhas. Uma delas, a Ilha de Soga, atraiu a nossa atenção a partir de um fato muito triste: aquela população, que já vivia muito pobremente, em poucos minutos, viu suas casas e seus poucos pertences virarem cinza. Os moradores de Soga, como, aliás, os de quase todas as outras ilhas habitadas do Arquipélago, vivem abandonados à sua própria sorte. E não é fácil atingi-las, sobretudo por falta de meios de transporte. Em nossas visitas sempre encontramos muitas pessoas com elefantíase, malária e doenças da pele. Na época das chuvas as pessoas são acometidas por uma doença que deixa feridas por todo o corpo, especialmente nas pernas.

A solidariedade

Aqui na Guiné Bissau os incêndios são muito comuns, especialmente na época da seca. Nas vilas, as casas são construí-das muito próximas umas das outras e cobertas de palha. Uma pequena faísca pode ser causa de grande destruição. Foi o que aconteceu na Ilha de Soga, deixando seus moradores literalmente sem nada. Diante de tal calamidade, a Missão de Bubaque - padres, irmãs, catequistas - mobilizaram-se para socorrer os atingidos. Tarefa muito difícil esta, pois o próprio governo não tem condições de ajudar. Padre Guerino Vitale – PIME – que era o pároco na época, lançou um pedido de socorro à Cáritas Diocesana e também aos seus amigos da Itália. Inicialmente, procurou-se construir barracões de lona onde as pessoas puderam se abrigar, pois o tempo das chuvas se aproximava. Depois, muito devagar, também as casas foram sendo construídas. A grande dificuldade é que quase todo o material devia ser trazido de Bubaque e Bissau, distante uma hora de canoa, o meio de transporte mais comum.

A presença da Consolação

Diante desta experiência de ajuda aos afligidos da Ilha de Soga, a equipe missionária liderada pelo padre Guerino, pensou em construir uma capela dedicada a Nossa Senhora Consolata. Naquele momento de extrema tristeza o povo precisava mesmo de uma presença materna de consolação; e a Consolata seria esta presença. A ideia foi debatida, aprovada e lançada. Aquele era um sonho tão audacioso que só se transformaria em realidade se todos se unissem fazendo cada qual a sua parte. E assim foi. A paróquia assumiu o compromisso de uma parte da obra e o povo da Ilha pensaria no material e na mão de obra. Os adolescentes se prontificaram a transportar água, areia e pedra. A cena era comovente: eles e as crianças, em fila indiana, carregando baldes na cabeça com o precioso material. O que não havia na Ilha, tinha que vir de Bubaque, transportado de canoa até a praia de Soga. Da praia até o local da construção – uma caminhada de 45 minutos - o material era carregado pelas pessoas. Às vezes eu ficava pensando: se já é difícil construir uma capela entre cristãos, imagine entre não-cristãos. Mas, ela foi erguida. Depois de dois anos de árduo trabalho, com a ajuda dos catequistas da missão católica de Bubaque, com o novo pároco, padre Jaime Coimbra do Nascimento, muitos benfeitores e o povo do lugar, os trabalhos foram finalizados e foi marcada a data da inauguração: 7 de março de 2009. O evento foi precedido por alguns dias de preparação. Participaram desse trabalho irmã Salome Mwenga, missionária da Consolata, o padre Maurílio Vaz da Silva , vigário, e alguns catequistas e jovens da paróquia de Bubaque. A equipe permaneceu na Ilha, visitando as famílias de todas as “tabancas” - vilas. Durante a visita, eles contavam às pessoas a história da devoção a Nossa Senhora Consolata. À noite reuniam-se todos na capela e à luz de velas, rezavam e ensaiavam os cantos para a celebração da inauguração. Bem cedo, começaram a chegar as pessoas vindas de Bubaque, mais de 50 jovens, adolescentes e adultos. Na praia foram acolhidas com muita festa por um grupo de jovens, adolescentes e crianças da Ilha. Foi organizada uma linda procissão que foi seguindo pela trilha até o local, com cantos e louvores a Consolata. O sol estava muito quente; mas nada impediu que a procissão prosseguisse com entusiasmo e alegria. Chegando à capela, os visitantes foram todos tomar um banho refrescante (de caneca) e vestir roupa de festa. E a celebração começou. Presidiu aquela Eucaristia inaugural, padre Jaime do Nascimento. Eram visíveis, no semblante de cada um dos presentes a alegria e a satisfação e eles as manifestavam nos cantos, palmas e vivas.

Um marco do Centenário

Nós missionárias da Consolata também estávamos lá participando daquela festa na qual o povo celebrava a vitória da união e da fraternidade, capaz de vencer os mais difíceis desafios. Mas, nós tínhamos, além daquele, outro motivo muito especial de estarmos ali. Aquele evento estava acontecendo bem às vésperas da celebração do Centenário de Fundação do nosso Instituto, criado em 1910. Ver Nossa Senhora sendo aclamada “Consoladora” por um grande número de não-cristãos, nos fez remeter o pensamento à figura do Fundador, o Bem-aventurado José Allamano, que no-la deu como padroeira especial com o lema: “Anunciarão a minha glória às nações” (Is 66, 19); e sabemos que a grande e única glória de Maria é o seu próprio Filho, Cristo, o Salvador. A primeira semente de evangelização estava lançada. Também estávamos muito felizes, porque um jovem, o único cristão presente na Ilha, se prontificou a continuar reunindo o povo aos pés da Consolata para a oração e a celebração da vida. Ao término da Eucaristia, houve uma confraternização da qual todos os presentes participaram. Como é o costume local, o povo se distribuiu em pequenos grupos e cada um recebeu uma grande bacia com arroz e “baianda” - mistura, e todos comeram elegantemente com as mãos. Na festa em Bubaque não faltou a bebida preferida deles: suco, vinho de caju e de palmeira. Que banquete! Ele continuou por toda a tarde e foi noite adentro, com jogos, competições e danças folclóricas. Voltamos para casa muito contentes, com o compromisso de manter este contato com aquele povo, que muito nos agradeceu pela Mãe que tinha acabado de receber.

* Maria de Lourdes Pereira, missionária da Consolata brasileira na Guiné Bissau.
(CC BY 3.0 BR)