Este é o meu lugar

A vida missionária é uma aventura que me fascina. Partilhar a fé entre raças, línguas, estilos de vida diferentes é muito enriquecedor. Agradeço a Deus por tantas graças.

Por Inês Regina de Lima *
Foto: Jaime C. Patias

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Nasci no estado do Paraná, em Apucarana. Minha família se transferiu para Iracema, um povoado do município de Formosa d’Oeste, comunidade da paróquia de Jesuítas, no mesmo estado. Lá vivi e recebi as bases da fé cristã e ousaria dizer que lá também não só conheci, mas senti a vocação missionária, graças a duas catequistas que em todos os encontros nos convidavam a rezar por aqueles e aquelas que estavam em lugares difíceis, muitas vezes até perseguidos e perseguidas por anunciarem o Evangelho de Jesus, ajudando os irmãos e irmãs mais pobres e abandonados. De onde elas tiravam tanta informação, eu não sei. O que sei é que isto entrou no meu imaginário e de lá nunca saiu; ficou gravado na minha mente e mais ainda no meu coração. Até que um dia, num dos encontros paroquiais, vieram à nossa capela alguns missionários para falar das missões. Eles nos mostraram um filme sobre o seu trabalho. Aí a minha imaginação viu a realidade. Foi a primeira vez que eu vi como era a vida de uma missionária anunciando a Palavra de Jesus na catequese, visitando e curando doentes, enfim, fazendo o bem e consolando as pessoas. Senti dentro de mim uma forte vontade de ser como elas. Eu era apenas uma adolescente de 12, 13 anos. Aos 15 estava coordenando o grupo juvenil da comunidade.

As mediações de Deus

Num encontrão de jovens, organizado pela paróquia, veio nos falar o padre Jordão Pessati, da Consolata. Ele contou-nos muitas coisas da vida missionária e no final do encontro entregou-nos uma ficha com uma pergunta: “jovem, o que você quer ser no futuro?” A ficha mostrava várias profissões e vocações, inclusive as sacerdotais, religiosas e missionárias. Lembro que não pensei duas vezes e respondi que queria ser missionária. Os coordenadores recolheram as fichas. Mal sabia eu que a minha iria parar nas mãos das missionárias da Consolata de Cafelândia. Pouco tempo depois, elas me escreveram uma carta para saber se realmente eu estava pensando em conhecer melhor a vocação missionária. Se assim fosse, elas viriam fazer-me uma visita. Fiquei super emocionada e lhes respondi que sim. Porém, havia um pequeno problema: os meus pais - eles não estavam muito de acordo. Diziam: “É, a gente cria os filhos e quando eles começam a ajudar nos abandonam”. Aquilo doía no meu coração. Porém, eu estava certa que o que eu iria fazer não era abandono. Por outro lado, como fazê-los entender? Continuamente tentavam me dissuadir, dizendo que aquela era uma idéia passageira. Além disso, naquela altura, como toda adolescente, eu já tinha o meu pretendente e gostava dele. Mas, no fundo, o amor que fazia o meu coração bater mais forte, já era Jesus e a missão. Mesmo se aparentemente a vida transcorresse normal, todos sabiam da minha decisão.

O encontro tão esperado

E o dia chegou. Duas missionárias da Consolata vieram até nossa casa. Elas explicaram, a mim e aos meus pais, como deveria proceder para iniciar a minha formação religiosa missionária. Claro, eu entendia a preocupação dos dois. Vivíamos na roça e a situação econômica era difícil; de modo que eles pediram às irmãs seis meses para encaminhar as coisas. Estávamos no mês de julho. Então, todos pusemo-nos a nos preparar. Eles, a parte referente ao que eu deveria levar, e eu, como faria para dizer ao meu namorado, que “outro” me havia roubado o coração... E, além disso, devia preparar-me para retornar aos estudos. Nesse período de decisão e já de acompanhamento vocacional, outro filme muito me ajudou: “Mãos Vazias”, que mostrava vários carismas. Aquela exposição confirmou mais ainda que o Senhor estava mesmo me chamando para a vida missionária. “Este é o meu lugar”, disse a mim mesma.

Deixar tudo

Não foi fácil a separação da família, do grupo de catequese e dos jovens. Era o dia 17 de fevereiro do 1977. Em Cafelândia, cidadezinha perto de Cascavel, encontrei a minha segunda casa e com as missionárias da Consolata a minha família. Logo em seguida fui transferida para São Paulo, onde terminei meus estudos e também a minha formação. Vivi minha primeira experiência missionária em Niquelândia, estado de Goiás. Eu havia aprendido no tempo de catequese, que os missionários partem; e eu também parti. Fui à Itália, onde cursei Missiologia na Faculdade Urbaniana e fiz especialização em Teologia Pastoral na Faculdade Camiliana. Aproveitei de lindas experiências de férias em Campos Juvenis. Naquela época, eu não pensava que aquilo já estaria me preparando para o meu futuro campo de missão. Fui transferida para Portugal, trabalho de Animação Missionária Vocacional (AMV). Foram cinco anos de intensa atividade com jovens, numa maravilhosa ação em conjunto com os padres da Consolata e outras nove Congregações, todas animadas pelo mesmo espírito da Missão.

Além-fronteiras

Em maio de 1996 parti para a Venezuela com seus destacados rincões indígenas. Já são 12 anos que ali estou trabalhando. Oito anos vividos entre os indígenas das etnias Wayüu, Ye’cuanas - Sánema e Warao. Atualmente, me encontro em Carapita, uma grande favela na periferia de Caracas, ou seja, um morro onde o amontoado de casas se confunde com o amontoado de pes-soas em busca de sobrevivência. Junto com mais duas irmãs orientamos todo o trabalho pastoral da capela dedicada a Nossa Senhora Consolata. Dois dias por semana trabalho na secretaria do COMINA - Conselho Missionário Nacional e nos demais dias da semana continuo na AMV, em conjunto com os missionários da Consolata.

No aniversário dos meus 25 anos de Vida Religiosa, vim para o Brasil, para em Pedreiras, interior de São Paulo, celebrar. Sinto-me muito feliz e realizada por estar colaborando na construção do Reino de Deus. Não digo que a vida missionária seja fácil; mas, mesmo assim, é uma aventura que me fascina. Partilhar a fé entre raças, línguas, estilos de vidas diferentes é muito enriquecedor e gratificante. Agradeço muito a Deus por tanta graça e sigo em frente procurando ser fiel ao meu lema, que é o de São Paulo: “fiz-me tudo para todos, para ganhar o maior número para Cristo. Tudo faço pelo Evangelho, para dele me tornar participante” (1Cor 9, 19.23).

* Inês Regina de Lima é missionária da Consolata na Venezuela.
(CC BY 3.0 BR)