“O perdão é uma escolha de se dar ao outro com amor...” (Mahatma Ghandi)
de Sonia Lobo de Carvalho
São 29 anos que estou na África como missionária, precisamente no Quênia. Meu nome é Sonia Lobo de Carvalho. Sou missionária da Consolata, nascida em Apucarana, Paraná, de uma família católica. Desde meus tenros anos, meus pais me ensinaram a rezar, e na escola aprendi a ler a Bíblia. Com a idade de 15 anos mudamos para Palmitópolis, uma capela da paróquia de Cafelândia, também no Paraná. Foi lá que conheci as missionárias da Consolata. Irmã Luciangela Possamai foi a que me inspirou a seguir a vocação religiosa e missionária. Depois de alguns anos de formação em São Paulo, fui enviada para as Missões no Quênia.
Os primeiros contatos
Cheguei ao país durante o governo do partido único de Daniel Arap Moi. Havia muito sofrimento, muita pobreza, injustiça e corrupção. O ex-presidente “Moi” como era conhecido, não tinha sido eleito pelo povo, mas assumiu a liderança após a morte do primeiro presidente, Jomo Kenyatta em 1978, e só se aposentou em 30 de dezembro de 2002, durante uma eleição amplamente aclamada como um caminho pacífico de transferência de poder. O povo queniano, em geral, é pacífico. As experiências dos países vizinhos mostravam que a guerra só traz ódio e destruição. Mas, infelizmente, algumas lideranças começaram a instigar os mais exaltados e após as eleições de 2007 a violência estourou no país, causando mortes e destruição, espalhando grande sofrimento. Neste tempo, a Igreja Católica juntou-se a outras igrejas e com religiosos e leigos começaram a desenvolver um papel muito importante, ajudando na terapia do perdão, convictos de que é difícil perdoar, mas não é impossível. O povo foi entendendo que o perdão é uma ação da vontade e que mesmo não apagando da mente a ofensa causada, a convivência se torna possível quando se ama do jeito de Jesus. Naquele tempo de violência eu presenciei verdadeiras transformações na vida do povo, pelo fato de que é simples e acolhedor. Daí a nossa responsabilidade, como missionários e missionárias, de apresentar Jesus Cristo como um Deus que ama, perdoa e é misericordioso para com todos.
O Quênia tem uma população de cerca de 40 milhões de habitantes. Destes, quase 25% estão concentrados nas grandes cidades, a capital Nairóbi e outras, Mombasa e Kisumu. As mulheres representam mais de 50%. Existe uma grande composição étnica em sua cultura. Enquanto vejo esta etnicidade como riqueza para o país, infelizmente, é também motivo de divisão, não causada por eles próprios, mas por aqueles que têm outros interesses. Da população toda, 38% são cristãos, de diferentes Igrejas, 28% são católicos, 26% professam as religiões tradicionais, 7% são muçulmanos e outros credos, apenas 1%.
Esperança para o futuro
A Igreja Católica do Quênia é jovem e vibrante. É jovem na fé e nas suas expressões. As celebrações litúrgicas aos domingos são muito festivas, exuberantes, tornando-se uma verdadeira manifestação de fé convicta. É uma Igreja abençoada, com muitas vocações religiosas e diocesanas. Uma Igreja bem envolvida nos diferentes setores da sociedade. No campo da saúde e da educação, 40% das instituições estão ainda sob o cuidado e patrocínio da Igreja Católica e muitos leigos são preparados e envolvidos; 95% do trabalho pastoral e formação humana estão nas mãos do clero, religiosos e leigos locais.
Podemos afirmar, com certeza, que tudo isso, foi e é, graças aos missionários e missionárias que evangelizaram o povo. Neste dinamismo de dar, receber e doar-se, os missionários semearam a fé em Jesus Cristo, e por isso hoje a Igreja no país encontra-se em saída. São inúmeros os missionários/as quenianos presentes em vários países de ao menos quatro continentes do mundo, como evangelizadores sendo ‘samaritanos’, capazes de parar no caminho e responder pelas situações de emergência de muitos irmãos e irmãs.
A Missão nos coloca sempre em caminho
Iniciei minha missão em Meru, uma pequena cidade ao redor do Monte Quênia. No início, como não sabia bem a língua, a maneira de me comunicar com o povo era através de um sorriso, uma saudação, um carinho. Acabaram me dando um apelido: “Makena” que significa pessoa feliz. Depois de trabalhar também em Marsabit, Nairóbi e Mombasa, retornei para a diocese de Meru. Muitos destes anos foram dedicados no setor da educação e da Animação Missionária e Vocacional. Atualmente, estou na formação das jovens que querem ser missionárias da Consolata.
Um dia uma dessas jovens me perguntou: De onde você busca toda essa energia para continuar sempre disposta e alegre na Missão que você abraçou desde a sua juventude? Eu sempre digo que a minha disponibilidade para a Missão nasceu, em primeiro lugar, de uma aventura de fé. Uma aventura que me fez experimentar um Deus que olhou para mim, me escolheu, me chamou e me enviou a evangelizar. Este Deus acreditou em mim, investiu em mim e continua servindo-se de mim para chegar cada vez mais perto do povo a quem Ele me enviou. É Ele que me dá a coragem para assumir, a cada dia, as responsabilidades inerentes à vocação que abracei. Desafios? E quem não os tem? São sempre tantos!
Dizer que não existem, é ilusório, especialmente quando a gente se muda para um lugar novo, eles aparecem logo nos primeiros passos. Deixar o país, a família, os amigos... Deixar a própria maneira de ser e praticamente assumir outra... Posso afirmar que não existe vida missionária sem cruz; mas também afirmo que depois da cruz, vem a ressurreição. Aquilo que sou hoje é graças às orações de muitos e graças à fidelidade de Deus, pois seu amor por nós é firme e sua fidelidade é para sempre (Salmo 117, 5). Confiante nesta fidelidade de Deus continuo a semear meus sonhos, sabendo que Ele está comigo.