A CONSOLATA DO JARDIM

“Consolem, consolem meu povo...” (Is 40,1)

“Consolem, consolem meu povo...” (Is 40,1)

Por Melania Lessa

É muito difícil que uma pessoa chegue ao Jardim Consolata (Comunidade das Irmãs) e não saboreie, de alguma forma, uma sensação de paz, de harmonia, de coragem, efeito de um balsamo invisível, mas real, que cura, consola e anima a fazer o bem.
Em geral, a pessoa olha ao redor, contempla o espaço simples, acolhedor, sempre florido, a serviço do povo da região, e deixa no ar uma pergunta não verbalizada que impulsiona a entrar no mistério do Deus...
A resposta não está no endereço. Jardim Consolata é uma comunidade das Irmãs Missionarias da Consolata, aberta em 1954, na zona norte da megalópole São Paulo, SP, para ser a sede do Noviciado no Brasil. Hoje é uma casa de Irmãs idosas, Missionárias Sacramentinas, como nós nos definimos.
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O segredo, sem dúvida, é a Consolata do Jardim. Mas quem é ela? Ao entrar na capela, à esquerda, há um belíssimo ícone de Nossa Senhora Consolata, pintado a óleo.  Tem uma história surpreendente, com sabor épico, narrada por Irmã Elsa Vergin, italiana (1904-2004), uma das protagonistas da história. Partilhou-a quando fui me despedir antes de minha partida para a Etiópia em 2001.
A cena acontece em Addis Abeba, Etiópia, em maio de 1942, entre os dias 10 e 15, em um dos mais dolorosos momentos da história dos Missionários e Missionárias da Consolata: a guerra ítalo-etiópica. Ir. Elsa conta que o ícone da Consolata fora um presente do Dr. Eduardo Borra para a nova Capela do Hospital Princesa do Piemonte, de Addis Ababa. A expressão materna da Consolata, é muito particular e era, afirma Ir. Elsa, “nos dias muito atribulados da guerra o nosso refúgio e conforto”.
Todas as Irmãs (88) e também todos os Missionários da Consolata, já estavam nos campos de concentração, com exceção do Pe. Lorenzo Bessone, Ir. Virgília Sisti, Ir. Teresia Brena e Ir. Elsa Vergine que permaneciam no Hospital, O grupo tinha esperança de que o imperador etíope, Hailé Selàssié, conseguisse acalmar os ingleses e assim pudessem permanecer no hospital.
“Infelizmente”, continua a Ir. Elsa, “veio a ordem de fechá-lo imediatamente e entregar as chaves. De manhã, bem cedo, vieram buscar as Irmãs Virgilia e Teresia. Eu fiquei sozinha para esperar quem deveria receber as chaves. Entrei na Capela, levantei os olhos para a Consolata e, de repente, senti no coração que Nossa Senhora desejava partir comigo. Não perdi o pouco tempo que restava. Subi no altar. A pintura, sem vidro, era fácil de tirar.  Vi também o tubo no qual tinha chegado e guardei-a nele. Assim a Consolata estava pronta para partir comigo”.
“Até o povoado de Harar não houve aborrecimentos”, continua, “ mas ao fazerem a última vistoria minuciosa das bagagens, avisando-nos que deveríamos tomar os nossos lugares para a partida, as coisas se complicaram. Eu continuava segurando o tubo com o ícone da Consolata e o pouco de dinheiro que nos restava. De longe, já faziam sinal para mim que queriam o tubo. Será, pensei, que é por que tinha combinado com a Consolata que Ela não deveria ir para a Itália, mas sim retornar à Etiópia?  Aflita, chamei o Pe. Bessone para que explicasse tudo, em Inglês. Não houve jeito; o ícone ficou preso em Mandera, deserto da Colônia Inglesa.
Depois da guerra, em 1953, Pe. Bessone viajava para Meru (Quênia).  Ao chegar ao Porto de Mogadíscio (Somália), avisaram, não sei por qual motivo, que o navio ia atracar uns dias.  Pe. Bessone, sabendo que os ingleses ainda estavam em Mogadíscio, desceu e foi fazer-lhes uma visita. Entrando numa das repartições, viu, em um canto, o tubo com o ícone da Consolata. Pediu e lhe deram. Lembrando de minhas lágrimas quando tive que deixá-lo, Pe. Bessone enviou-o para a Casa do Noviciado, no Jardim Consolata, S. Paulo, SP, onde eu estava em 1954. O quadro permaneceu com os ingleses de 1942 a 1953”.
Nas entrelinhas desta breve história missionaria, pode-se ler não somente a indizível aflição de todos os que dela fizeram parte, mas sobretudo a ternura de Deus que continua consolando seu povo, através da Consolata do Jardim. Nenhuma palavra ou imagem podem descrever esta experiência. Não cabe tampouco em nenhum lugar ou tempo. Um fato missionário sem medidas, abraçando povos, países e continentes.
Maria de Nazaré é mulher plenamente consolada porque tem consciência plena de que viver em Deus, não é questão de escolha, é questão vital. Ela não somente se entende em Deus, mas também vê a humanidade em Deus. Vê cada um de seus filhos e filhas, em Jesus, a Consolação de Deus. E nesta consciência abraça a humanidade na sua realidade, filha da terra e filha da Trindade. Filha da dor, mas sobretudo, filha da Consolata!
Quem anda pelo Jardim Consolata ou contempla a Consolata do Jardim faz memória do imperativo de Deus profetizado por Isaias 40,1ss, “consolem, consolem, meu povo”.  Neste tempo de pandemia se traduz em gestos simples de cuidado: atenção, proximidade, ternura, encorajamento, humildade, solidariedade...  A dinâmica da consolação de Deus que nasce de sua misericórdia infinita, tão bem descritos por Paulo em 1Cor 1,3-7, passa por Maria de Nazaré e por todos os que adentram com ternura no mistério divino-humano da dor: a consolação, de certa forma, precede a dor! Esta consciência alimenta a esperança. Então, como Isaias (12,1-6), como Paulo (1 Cor 1,3-7) e como Maria de Nazaré (Lc 1,46-55), bendizemos o Pai Misericordioso, somos consolados e aprendemos a consolar, cada dia um pouco mais.
O ícone da Consolata do Jardim, com suas cores, gestos, expressões, história, beleza e proezas... continua nos mostrando que a dor nos faz focar apenas no momento, enquanto a consolação nos abre para horizontes infinitos. É o segredo dos santos. É o segredo do bem-aventurado Allamano que se apresentava como “Tesoureiro da Consolata” e continua, através da sua Família Missionária, revelando a Consolação, fruto do Sim de Maria de Nazaré!

Melania Lessa é Missionária da Consolata, SP