É sempre hora de levantar voo

Sentir-se consolada por Deus, para distribuir consolação.

Por Inês Regina de Lima

15780731_186843081784823_4729726497892837703_nVivi intensamente por 28 anos fora da minha querida pátria brasileira, em três países: Itália (quatro anos), Portugal (cinco anos) e Venezuela (19 anos). Sou Inês Regina de Lima, de São Paulo e considero-me uma “Missionária feliz”. Sou membro da Família do Bem-aventurado José Allamano. Este homem, ao pensar na fundação de uma Família Missionária Ad Gentes (aos povos), deixou-se guiar por aquilo que a Mãe Consolata lhe inspirava: sentir-se consolada por Deus, para distribuir consolação.

Na Itália 

Na Itália, minha primeira missão, onde fui para estudar e completar minha formação, sempre encontrei a maneira de, nos fins de semana e no tempo de férias, achar tempo e algum lugar para exercer a minha vocação evangelizadora. Porém, como não gozar da consolação de conhecer os lugares onde nasceu e viveu – o Bem-aventurado José Allamano, aquele que nos transmitiu tudo sobre a missão? Como não sentir alegria de participar de sua beatificação, na Praça São Pedro? De ter cumprimentado pessoalmente, o papa São João Paulo II? De ter pisado os lugares de tantos santos? Como não levar o consolo a tantos velhinhos, enfermos, solitários? Como não levar apoio e ajuda a tantas famílias camponesas que passavam o seu tempo no campo, sem poder participar das celebrações dominicais na Igreja? Como não acolher tantas pessoas que vinham da África e do leste Europeu, com longas histórias de sofrimento por estarem fugindo da guerra?

Em Portugal

Em Portugal, Deus me reservou a graça de poder trabalhar na Animação Missionária, partilhando em tantas paróquias o dom da fé, que no passado, muitos missionários portugueses haviam partilhado em terras brasileiras. Partilhar a alegre convivência ao lado de tantas crianças, adolescentes nos colégios e nos Grupos de Jovens… os quais ao entrarem em contato com as realidades das terras de missão, generosamente partilhavam seu material escolar com as crianças que não tinham a possibilidade de estudar. Assim, visitando as paróquias, encontrei muitas famílias necessitadas de uma palavra e consolo, um aperto de mão em momentos difíceis.

Na Venezuela

O desejo de chegar um dia à missão “além-fronteiras” foi o que eu sempre aspirei. De repente, as superioras me apresentaram o amplo horizonte da 154400_340953326038667_1216683385_nVenezuela, justamente no mês missionário, em outubro de 1996. E lá cheguei ao rincão de nome ‘Tierra de Bolívar’, que para mim, missionária, soava melhor ‘Tierra de los hermanos indígenas’. Ali vivem 40 Povos Indígenas com uma grande riqueza de culturas diferentes. Foi uma graça e uma alegria trabalhar e acompanhar o processo de luta destes povos, que na sua simplicidade de vida, mostram outra visão no modo de relacionar-se com a natureza, com o outro e com o divino. Ali não foi fácil a evangelização, porque, como apresentar um Deus de paz e de perdão, quando a luta, a vingança fazem parte do seu modo cultural de ‘aparentemente’ solucionar os conflitos, ainda mais quando se vêem rodeados pela polícia, em contínuo enfrentamento.

Quando eu pensava de estar já bem acostumada com ‘o sol’ que queimava o cérebro e a areia, os pés, chegou a hora de alçar voo, porque a selva Amazônia Venezuelana esperava uma presença de anúncio; e para lá fui enviada, numa comunidade indígena de nome‘Tênkua’, pertencente ao Vicariato de Porto Ayacucho; uma localidade distante da capital Caracas dois dias ou mais de caminho. Tênkua é sem dúvida, lugar privilegiado para se experimentar a solidão. A comunicação é muito precária – só por rádio amador... Mas, em compensação, tudo ao redor facilita o diálogo com Deus e com a natureza, que envolve a gente de todos os lados. Ali o nosso trabalho era a promoção humana - escola e evangelização. O calor extenuante durante o dia e o frio úmido da madrugada são a causa de inúmeras doenças, como a desnutrição e até a tuberculose. Porém, a fé assumida pela maioria dos indígenas levava a gente a superar todo tipo de dificuldade. Sofri muito quando tive que deixar essa missão, porque ela me havia roubado o coração.

Porém, coerente com minha consciência, de que missão se vive em qualquer lugar, por uma emergência, precisei assumir a pastoral numa das capelas de um dos bairros de Caracas – Carapita. Foi uma realidade totalmente diferente das demais. Não era deserto, porém a água só chegava uma vez por mês. Não era selva verde, mas uma autêntica selva de cimento. Não eram palafitas, mas casas sobrepostas umas às outras, ocasionando muita violência. Tive que me acostumar com tudo, até com disparos de fuzil. Quantas mortes! Quanta gente para consolar, ajudar, animar, sobretudo, com o poder da oração.

Isto, por si só, já não era pouco. Num Encontro de Congregação, para o bem da Igreja da Venezuela, foi me pedido uma tarefa muito grande, pelo meu tamanho pequeno: Fazer parte, do Conselho Missionário Nacional – o COMINA, e do Departamento de Missão da Conferência Episcopal DEMIS, que implicava a animação e a formação da dimensão missionária da vida cristã. Voltei às comunidades indígenas. Este trabalho dava-me a possibilidade de visitar muitas paróquias e grupos apostólicos por toda a Venezuela, propondo a formação missionária através de um ‘Curso de Missiologia’ com Diploma, para aumentar o número dos discípulos missionários, dispostos a partilhar a própria fé.

Em Moçambique

thumbnail_20151101_174304Talvez, o fato de eu estar sempre em movimento não me permitia ver o tempo passar e perceber que eu estava já entrando na terceira idade. Porém, isto nada interferia, porque missionariamente falando, eu ainda poderia dar alguns anos à Missão.

A África estava me abrindo portas, para continuar gastando minhas energias na construção do Reino, junto aos irmãos e irmãs de Moçambique. Senti muito deixar o povo venezuelano que tanto amei, ainda mais agora, nos tempos difíceis que atravessa a Venezuela. Porém, meu coração se encheu de alegria, pensando “ao novo” que a nova missão iria me presentear. Parti feliz...

 

Inês Regina de Lima é missionária da Consolata em Moçambique