MISSÃO E DESAFIO MISSIONÁRIO

Ser missionária nesta terra da Guine Bissau, é um continuo desafio e um apelo a defender a vida na gratuidade do amor.

Por Maria de Lourdes Pereira

Nasci numa família humilde, mas muito rica de fé. Aos 3 anos e meio de idade faleceu meu Pai deixando a minha mãe viúva com apenas 24 anos e com 4 filhos pequenos para educar. Acredito que foi neste ambiente de sacrifício e muita luta que cresci estimulada e ajudada a crescer na fé. Foi olhando para o exemplo desta mãe forte e determinada a viver e a defender a vida de seus filhos e na caridade para com os mais carentes que Deus fez brotar em mim a vocação missionária. Todos os dias rezávamos o terço em casa e ela pedia que Deus enviasse vocações sacerdotais e religiosas para a Igreja a partir das famílias que podiam, porque dizia que ela não teria condições financeiras de ajudar um filho a seguir este caminho.

IMG_2339Aos 17 anos ouvi uma homilia de um missionário que contava sua experiência, e apelava aos jovens a serem generosos se Deus os chamasse para servir os irmãos necessitados como missionários. O testemunho e o modo como falava este missionário, a alegria e amor que mostrava na sua missão me tocou profundamente. Foi neste momento que senti no coração de forma clara que Deus estava me chamando a ser missionária. Foi muito difícil o discernimento, pois a mãe que neste momento precisava tanto da minha ajuda na família não estava muito de acordo com minha decisão. Graças à acolhida de uma tia que me apoiou, aos 18 anos entrei com as irmãs missionárias da Consolata em Rio do Oeste, SC, local onde nasci e fui batizada, para uma experiência. Iniciei minha formação em Rio do Oeste e depois fui para São Paulo. Em 1972 fiz minha primeira profissão religiosa, continuei minha formação e em 1979 fiz os votos definitivos e parti para a Missão da Libéria, Oeste da África em 1980.

thumbnail_IMG_2365Foi uma missão desafiadora para mim que iniciava este serviço, pois não tardou e o país iniciou uma guerra civil que se estendeu por anos, mas Deus deu-me a graça de viver e servir aquele povo tão aberto e acolhedor do Evangelho. Deixei a missão da Libéria com o sonho de lá retornar, mas o Senhor da história me fez andar por caminhos diferentes. Retornei ao Brasil devido à guerra e trabalhei por vários anos na formação das jovens que iniciavam o caminho formativo para serem irmãs.

No meu coração continuei alimentando o sonho de retorna à missão da Libéria e em 2003 quando me preparava na Itália para o retorno, a guerra reacendeu no país, então me pediram para dar um tempo de serviço provisório na Guiné Bissau, África, até poder reentrar na Libéria e ali permaneço até hoje.

Temos três presenças na Guine Bissau, comunidades distantes umas das outras: Empada, Bubaque e Bor. Minha primeira missão foi no arquipélago dos Bijagós formado por mais de 80 ilhas. Moramos na ilha de Bubaque e desta ilha saíamos com frequência para outras ilhas habitadas em visita àquelas populações abandonadas e fazer a vigilância sanitária, encaminhar doentes e crianças desnutridas. Passei depois à Missão de Bor, na periferia da Capital de Bissau, local onde estávamos iniciando esta nova comunidade entre a etnia “pepel”. Atualmente me encontro na missão de Empada, primeira comunidade das missionárias da Consolata, na Guine Bissau, iniciada no ano 1992 bem no interior do país entre a etnia biafada, muçulmanos e outros grupos imigradas de outras regiões do país. É um povo humilde, acolhedor e carente em todos os sentidos, lugar onde podemos ser de fato presença de consolação.

thumbnail_IMG_2456Empada é uma missão com muitos desafios: a educação, a saúde e o autossustento são problemas que abalam profundamente a população. Os professores não são pagos nas escolas públicas, logo abandonam as salas de aulas; Na área da saúde, não há médicos e medicamentos e os enfermeiros não são preparados para atender os casos graves e falta o transporte para encaminhar os pacientes em perigo. A malária que ceifa tantas crianças, jovens e adultos. Muitas gestantes morrem no parto deixando crianças órfãs, etc. Tantas são as pessoas que todos os dias batem a nossa porta pedindo ajuda, mas não temos condição de ajudar a todas. Eles confessam que “nossa única esperança são as irmãs, a missão católica nestes momentos difíceis”.

Ser missionária nesta terra da Guine Bissau, onde a vida, a saúde, a educação e a luta pela sobrevivência das pessoas são ameaçadas, é um continuo desafio e um apelo a defender a vida na gratuidade do amor. Na verdade, acredito nas palavras do Papa Francisco: “Eu sou uma missão nesta terra e para isto estou neste mundo” (EG 273). Com esta convicção de ser uma servidora do Senhor agradeço a Deus o dom da vocação missionária e a possibilidade de ser e fazer missão onde o Senhor me enviou.

Maria de Lourdes Pereira é Missionária da Consolata na Guiné Bissau.