RESGATANDO SONHOS

Trabalho das missionárias da Consolata em Nairóbi, Quênia, com ex-detentos resgata sonhos, vida e dignidade.

Por Gertrudes Vitorino

Irmã Gertrudes é missionária da Consolata moçambicana que, depois de ter vivido na Mongólia por alguns anos, encontra-se agora no Quênia, empenhada no trabalho missionário com rapazes ex-detentos.

Esta é uma atividade social que as missionárias iniciaram em Nairóbi, Quênia, diante de uma realidade tão desoladora como era a dos jovens que deixando o cárcere ficavam muito desorientados e de certo modo, discriminados. Encontravam, portanto, uma grande dificuldade de inserção, seja na família como no trabalho e na sociedade em geral. As missionárias, com a colaboração de organizações, construíram um pequeno centro próximo a um grande cárcere na periferia de Nairóbi. É uma missão com sabor de consolação.

Casa da Consolação

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Consolation House (Casa de Consolação) onde me encontro há cerca de um ano, é uma casa de acolhida e de consolação para rapazes ex-detentos. Tem como padroeiro São José Cafasso, que na sua vida sempre acompanhou pessoas condenadas à morte, ficando junto delas, escutando-as, rezando com elas, preparando-as para enfrentar a morte e dando-lhes consolação.

Neste centro tudo é predisposto para que os jovens se tornem e se sintam parte ativa e responsável na sociedade.

A missão é aquela de favorecer uma transformação de vida a jovens ex-detentos através de um percurso de reabilitação e autoestima, para que contribuam na construção de uma vida com maior qualidade e de uma comunidade mais significativa, onde encontrar o sentido e alegria de viver.

Os valores que nos orientam são a fé, a integridade da pessoa adulta, a colaboração na formação de uma “civilização do amor”, como repetidamente pedia o papa Paulo VI, a profissionalização, a promoção do associacionismo, a criatividade.

Temos cinco objetivos: (1) desenvolver a dimensão espiritual e partilha de dons e capacidades pessoais e profissionais para uma vida de maior qualidade dos jovens que deixam o cárcere; (2) facilitar o processo de reintegração na família e na sociedade; (3) promover a educação formal e informal e uma formação específica; (4) promover uma boa organização do trabalho e a busca de uma ocupação, de um emprego que os dignifique e (5) assegurar constância, sustentabilidade e eficácia nos processos de mudança de comportamento de cada um dos jovens.

Os instrumentos através dos quais queremos alcançar estes objetivos são de três tipos: espiritual, educativo e formativo. Cada jovem tem a possibilidade de seguir um itinerário espiritual, de frequentar a escola e de aprender diversos trabalhos no âmbito doméstico. Na comunidade estes trabalhos são aprendidos e desenvolvidos cada dia, para garantir o autossustento do grupo. Além do cultivo do campo à disposição da comunidade, cuida-se de uma criação de coelhos e frangos para a venda, têm-se vacas de leite para o consumo da casa, e produz-se pão para a comunidade e para a venda.

Missão de proximidade

36632634_198836537492876_633246628047749120_nO meu serviço específico é aquele de oferecer consolação a estes jovens, escutando-os individualmente e em grupos, acompanhando-os para um caminho de crescimento nos valores humanos e cristãos, aos valores do Evangelho; encorajando-os a perseverar no bem. Busco estar atenta às suas necessidades. Procuro fazê-los entender que, não obstante os erros do passado, a vida pode mudar, porque sempre nos é dada uma segunda possibilidade e muitas oportunidades para reorganizar a própria vida. Nunca é tarde para recomeçar!

Um outro compromisso é aquele de visitar os jovens que estão ainda no cárcere de menores. Ocupo-me com eles da formação humana: desenvolvendo temas sobre os valores da convivência social, a aceitação de si mesmos, a autoestima... Organizo para eles laboratórios de música etc.

Desafios e esperança

Um dos maiores desafios que encontro é aquele de favorecer um processo de reconciliação entre o jovem e os seus pais. Muitas vezes há uma rejeição recíproca, difícil de ser superada: os jovens não encontram coragem e confiança suficiente para retornar à família; esta, por sua vez, já não acredita mais na possibilidade de recuperação do jovem e encontra muita dificuldade em acolhê-lo no próprio lar com uma atitude de misericórdia e esperança.

Estes rapazes e moças, em geral, trazem dentro de si muitas feridas, muitas mágoas e inconsistências, por situações vividas no passado, tanto na família, como por pressões de caráter cultural. Nós procuramos ajudá-los a curar essas experiências negativas e a ressignificar a própria existência.

Não obstante as dificuldades que encontro, assumo cada dia, com amor e responsabilidade este serviço missionário. O meu estar com estes jovens no desejo de ser uma força de consolação e de animação para as suas vidas me traz muita alegria e me sinto satisfeita em poder partilhar um pouco de mim mesma com eles. Malgrado os erros cometidos, cultivamos com estes jovens a beleza de manter a sua dignidade de pessoas e a convicção que um período neste centro, lhes da possibilidade de mudar o próprio futuro e de realizar os seus sonhos.

Os jovens são a esperança de uma sociedade mais humana e mais feliz.

Gertrudes Vitorino, MC, é missionária no Quênia.