Ser dom de consolação

Não há dinheiro que pague estas experiências!

Por Rosemery Kabbis *
Foto: Josiah Kokal

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Durante os anos de preparação, primeiro no Quênia e depois na Itália, minha grande vontade era realizar o sonho de partir para a missão e ser um dom de consolação para as pessoas, partilhando as alegrias e as fadigas de cada dia. E finalmente, em 2006, chegou também para mim o feliz momento de “ser enviada em missão”. Meu trabalho era na Venezuela. Chegando a Caracas, capital do país, os meus olhos se fixaram nas encostas das colinas, onde as casas estavam amontoadas, construídas umas sobre as outras em declives sem o mínimo de estrutura adequada para uma sobrevivência com dignidade. Foi a primeira impressão, e ela revelou, logo de início, a presença de muita pobreza.

Em Nabasanuka

Permaneci alguns meses em Caracas tendo o primeiro contato com a nova realidade, para começar a aprender a língua. Logo entrei em contato com a equipe da qual eu seria membro, que já estava se preparando para iniciar uma nova comunidade entre os indígenas Warao em Nabasanuka, situada sobre o delta do Rio Orinoco. Assim, a nova comunidade formada por missionários e missionárias da Consolata, terminados os preparativos e com muito entusiasmo e esperança no coração, partiu da pequena cidade de Tucupita rumo à nova missão. Percorremos oito horas de barco a motor, tendo como panorama uma natureza exuberante. À medida que nos aproximávamos da missão, apareciam, aqui e acolá, habitações indígenas, construídas no sistema de “palafitas”. Os habitantes da região são da etnia Warao, um povo simples e aberto, com uma cultura muito rica de valores; mas, o isolamento em que foram deixados há séculos, não lhes permitiu uma vida regular e autônoma.

Novo povo, nova vida

Passamos os primeiros meses estudando a língua e conhecendo o povo com o qual iríamos viver. Foi uma rica experiência. O contato com os indígenas ajudou-nos muito nesse primeiro conhecimento que iria se aperfeiçoando com o tempo. Também a nova experiência de um trabalho numa equipe mista – de missionários e missionárias – foi muito enriquecedora. Iniciamos o trabalho com a formação dos catequistas e com os jovens em algumas comunidades, os quais em pouco tempo fizeram uma boa caminhada de fé. Alguns deles foram de muita ajuda para nós na tradução dos textos na língua warao, trabalho que ajudou muito no estudo e aprofundamento da Palavra de Deus, principalmente, nos encontros de formação na preparação ao Batismo. Porém, existem mais ou menos umas 50 comunidades à margem do rio, que estão abertas à Boa Nova de Jesus, terreno para a nossa ação evangelizadora. Também a experiência de um trabalho com os jovens da escola, foi gratificante para mim. Com eles pude partilhar os meus dons, lecionando Biologia, Inglês e outras matérias. Tudo me fazia relembrar os tempos passados quando eu lecionava no Quênia. No contexto indígena, a situação da educação é muito complexa. Para estes jovens, mesmo tendo uma boa inteligência, as possibilidades de estudo são poucas, sobretudo, porque não dispõem de livros e do material didático necessário. Esta realidade difícil me fez entender que eu, realmente devia ser dom de esperança para eles; e isto me animava na doação e me encheu o coração de alegria.

Ser dom para o outro

A experiência vivida na Venezuela me ajudou muito nas atividades assumidas, em seguida, na cidade, em Carapita: continuar a ser dom para os outros, vivendo situações que não eram lá muito diferentes. Carapita é uma região montanhosa onde as casas se amontoam penduradas nas encostas. Também ali grande pobreza está presente, acrescida pela violência e a droga. O acesso é difícil, a colina é íngreme, cheia de curvas e lugar de muitas culturas e desafios missionários. O território pertence à Paróquia de São Joaquim e Santa Ana, confiada aos cuidados dos missionários da Consolata. Nós irmãs moramos no alto da colina e colaboramos na formação dos catequistas, na Pastoral da Juventude, no Setor da Infância Missionária. Desenvolvemos também atividades de formação e promoção humana, sobretudo com as mulheres e as crianças.

Alegrias da missão

Muitos podem pensar que o trabalho missionário é só dureza. Não, a missão traz também muitas alegrias. No tempo que transcorri entre estes irmãos e irmãs, tive muitos momentos lindos de satisfação e alegrias. Acompanhar os jovens, as crianças da Infância Missionária, os catequistas e vê-los crescer no caminho da fé e no conhecimento... A luta pela defesa da vida, que é sempre uma das grandes prioridades do nosso projeto missionário de formação, embora apresente muitas e sérias dificuldades, proporciona-nos também grandes satisfações, quando os vemos caminhar com suas próprias pernas, crescendo na autoestima e na vontade de progredir sempre mais... São experiências bonitas que não há dinheiro que pague!

Estou convencida que esta nossa colaboração é válida, até que eles cheguem a tomar consciência da sacralidade da vida humana, considerando-a um valor inestimável contra o qual ninguém pode atentar. Nas visitas constantes às famílias das crianças, tinha a oportunidade de conhecer muitas situações de alegria, de esforço e também, é claro, de angústias dolorosas pela perda de pessoas queridas vítimas da violência.

Dever cumprido

Sinto que com a minha colaboração na atividade apostólica na Venezuela, pude contribuir e ajudar as pessoas no crescimento da fé e do empenho concreto de formar comunidades, onde todos se ajudam e se amam. Esse povo tem, em geral, uma grande religiosidade e são fiéis na procura dos sacramentos da iniciação cristã. Nós procuramos sempre formá-los para que assumam as responsabilidades colaborando no gerenciamento dos diversos âmbitos da vida cristã e da vida social. A minha vida na missão - posso afirmá-lo - foi sempre cheia de muito aprendizado, de alegrias, de limitações e também de muitos desafios. Contudo, sempre tive a certeza, que é Jesus e o seu Espírito, que realizam a missão. Ele foi sempre a minha força, a minha coragem, especialmente nos momentos duros e difíceis. Força e coragem que sempre busquei diante do sacrário e na oração.

* Rosemery Kabbis, MC, é queniana.
(CC BY 3.0 BR)