Um desafio feliz

Responder ao chamado vivendo a Missão.

Por Maria Cecília da Silva

Meus pais são ambos do município de Jaguarari, estado da Bahia. Na região, a família de meu pai era conhecida como “os Crisóstomos” e a da minha mãe, como a família do “Zezinho”. Zezinho e Crisóstomo definiam famílias de tradição e respeito! Assim nasci e cresci com princípios e valores culturais e religiosos. Como toda jovem, eu gostava de estudar, trabalhar, passear, ir ao cinema com as amigas, e é claro, sonhar com um futuro feliz. Uma curiosidade relacionada ao chamado: sempre que participava de uma celebração de casamento, pensava “acho que eu nunca irei casar”. Será que já era Deus que me preparava para me dizer que o meu casamento seria de outra forma? Nessa época, eu sentia um forte amor por um rapaz e ele por mim; e a inquietação e a indecisão persistiam: Será que vou me casar, ou será que vou ser religiosa? Por que Deus me chamaria para uma Missão diferente daquela de construir uma família, caminho normal da maioria das jovens? Comecei a rezar mais, pois estava inquieta.

ir-maria-cecilia-com-duas-amigasUm dia resolvi contar esse sofrimento à minha mãe. Ela me disse: “Reza minha filha. Eu vou te ajudar com a minha oração para que Deus te ilumine”. Passaram-se alguns meses e na minha oração cheguei a pedir a Deus que me desse um sinal. E ele veio. Pela primeira vez, encontrei-me com as missionárias da Consolata na ocasião da procissão da festa de nossa Senhora de Fátima, na Vila Curuçá, onde eu morava. Com minhas colegas, começamos a conversar com elas. Eram irmãs Iltrudes e Pier Domingas, ambas muito jovens! Quem falava mais eram minhas amigas. Eu ficava ouvindo as respostas que elas davam às perguntas das minhas amigas sobre a vida no convento. Logo me veio uma luz: Será que não era esse o sinal pedido? De repente, irmã Iltrudes veio perto de mim, me deu um tapinha na face e disse: “E você, não tem vocação?” Levei um susto, mas respondi: acho que tenho, sim! Naquele mesmo dia ela convidou-me para fazer uma visita às irmãs da Casa Allamano e fui apresentada como uma candidata à vida Missionária.

Entre dois amores
Contei logo aos meus pais o que tinha acontecido. Eles me disseram: “se o que você sente é como você diz, é mesmo um chamado de Deus. Segue, pois este é o maior dom que Deus pode fazer a uma pessoa”, disse o meu saudoso pai, que entendia muito bem da vocação consagrada para a missão. Mas, havia outro problema. Como contar isso ao outro amor? Foi muito difícil. E dizia para Jesus: “como você pode fazer isso comigo? Como posso decidir por um entre dois amores?” Foi um período de martírio para mim e para ele, que no início, pensava que fosse mais uma das minhas brincadeiras. Mas, quando viu que eu estava falando sério, disse: “se é assim, eu não posso contrariá-la”. Dia 2 de fevereiro de 1962 entrei na Congregação. Minha mãe e meu irmão Joel acompanharam-me até à casa das missionárias da Consolata, em São Paulo, no bairro da Cachoeirinha. Fui muito bem acolhida pelas irmãs, o que me ajudou a amenizar a despedida. Ali fiz a minha primeira formação e em seguida, a minha Consagração a Jesus para a Missão. Desde então, comecei a exercer a missão, através de diferentes atividades, como dizia o Fundador “a missão começa em casa”. Fui missionária a partir da vida em comunidade, rezando com as irmãs, fazendo serviços internos, depois lecionando e assumindo também a direção de escolas. Além de São Paulo, fui enviada a Brasília (DF), Erechim e Horizontina (RS). Engajei-me em atividades pastorais como catequese, liturgia, juventude, Encontros de Famílias, sempre anunciando a mensagem de Jesus.

Missionária pelo mundo
Em 1986 aceitei o envio para a Missão em Moçambique. Esse país lutava com uma guerra pós-independência que durou 16 anos e eu estive ali durante os últimos sete anos do conflito! No meio de muito sofrimento, o povo exclamava: “Meu Deus! Nós já não somos mais um povo. Senhor, envia-nos a tua paz!” Em 1992 retornei ao Brasil. Senti muito em deixar Moçambique, mas, ao mesmo tempo, eu estava feliz, pois acabava de ser realizado o acordo de paz entre os dois partidos beligerantes. No Brasil assumi a coordenação da Animação Missionária Vocacional (AMV), período durante o qual sofri um gravíssimo acidente. Porém, passado um ano, retomarei as atividades; só que agora, em Cafelândia, no estado do Paraná. Foram apenas dois anos, e nova destinação para o Rio Grande do Sul, em Horizontina. Ali vivi por sete anos cheios de diversas atividades: relacional, pastoral e escolar. Em 2003 fui reenviada à Missão de Moçambique, para lecionar na Universidade Católica de Moçambique (UCM) e na Universidade Pedagógica do Estado (UP). Nesse período desenvolvi também outras atividades: oração da manhã na Rádio Católica de Nampula, orientação de retiros espirituais para seminarista e jovens crismandos, animação espiritual para o grupo de famílias da nossa comunidade e AMV na paróquia.
Depois de seis anos, eis um novo desafio: capacitar professores em conhecimentos de Gestão e Administração Escolar, em Empada, na Guiné Bissau, para que aqueles docentes pudessem assumir a Gestão do Liceu D. Settimio Arturo Ferrazzetta, e mais duas escolas de autogestão. O objetivo principal era o de liberar as irmãs das diversas atividades no Liceu para se dedicarem mais ao primeiro anúncio. Criamos também uma escola de educação infantil, orientando as professoras já capacitadas para administrarem e guiarem todos os trabalhos da escola.

A Guiné Bissau
Esqueci-me de dizer que a Guiné Bissau é considerada como um dos países mais pobres do mundo, vivendo em constante crise política, com contínuos golpes militares. Em mais de 40 anos da sua independência nunca um governo chegou ao fim do seu mandato. Mas, o povo não perde a esperança. Costuma dizer: “Deus é grande, não vai nos abandonar”. Carece de tudo, mas nem por isso os guineenses são pessoas tristes. Pelo contrário, estão sempre ‘pra cima’. É uma alegria estar em Missão com os que são ‘os preferidos de Deus’. Estou muito feliz nesta Missão, especialmente trabalhando nas escolas, pois sabemos que delas depende todo o desenvolvimento de um país.

Maria Cecília da Silva, MC, é missionária na Guiné Bissau.
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