UM LIVRO VIVENTE

 Quando ela partilhava parecia estar lendo um livro.

Por Carleta Longo

Passei uns dias na Casa Regional onde tive a oportunidade de encontrar várias irmãs que exercem a missão fora do Brasil.
Foi um tempo rico de experiência com as irmãs que partem para a missão ou voltam de diferentes países deste mundo missionário. Algo que me chamou atenção é que, conforme as irmãs vão chegando têm a oportunidade de partilhar as suas experiências de missão e o fazem com entusiasmo. Ao retornar para as missões, às vezes com lágrimas nos olhos devido situações em que deixam suas famílias, mas mesmo assim, o ânimo prevalece, pois o Amor pelo bem é maior.

Uma irmã me impressionou de modo especial, foi irmã Maria dos Anjos com mais de 80 anos, pois tive a oportunidade de um ‘bate-papo’ que durou mais de uma hora. Quando ela partilhava parecia estar lendo um livro. Diante de uma realidade tão rica e profunda como a dela, percebi que na verdade estamos acostumados a ler os livros mortos, mas aqui está um livro vivente para não dizer, uma biblioteca vivente.

Para ilustrar este momento de encontro de gerações e culturas diferentes, de experiências de vida missionária e caminhada espiritual, apresento uma breve entrevista com essa irmã.

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Irmã você gostaria de se apresentar?

Sou Irmã Maria dos Anjos e este nome tem um significado muito grande na minha vida, que é um ser para os outros. Eu sou para servir o outro. É o lema da minha vida missionária. Digo-lhe também que sou da diocese de Joinville na cidade de Rio do Sul em Santa Catarina.

Que chique! Antes de entrar no Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata qual era o seu nome?

Meu nome de batismo é Almida Nardelli, que significa dar a minha alma. Sinto verdadeiramente que o meu nome é a minha identidade e a minha consagração. Doar a minha vida a Deus para o serviço dos outros.

Conte um pouco como era a sua vida quando criança e adolescente.

Que saudade daquele tempo! Lembro-me que eu era uma menina alegre, gostava de cantar, era muito magra e frágil. Quando tinha 14 anos queria ser religiosa. Sentia dentro de mim um desejo de dedicar a minha vida pelas pessoas sofredoras e pobres. Com esta idade iniciei a minha formação, e para mim não era uma tentativa, mas era para toda a minha vida.

Antes você já tinha algum contato com as irmãs?

Incrível! Quando Deus chama, Ele tem a sua lógica. Nunca tinha visto uma irmã, nem se quer uma fotografia delas, mas tinha conhecido os Missionários da Consolata. Foi o padre Domingos Fiorina, italiano que me ajudou no encaminhamento do processo de formação. Eu admirava muito a dedicação dele para com o povo.  Eu fui do primeiro grupo das irmãs da Consolata brasileiras, iniciamos a formação em 1947 e em 1949 fizemos à primeira profissão religiosa. Aquela primeira profissão para mim foi um SIM para sempre.

Certo dia, Madre Tecla chamou-me e disse-me: “A sua destinação é Argentina”, isto no ano de 1957. Aceitei a destinação, mas não fiquei calada, expressei o desejo que estava no meu coração desde o início. Timidamente disse: “Mas eu queira ir à África”! E a Madre me respondeu com firmeza: “Nós preferimos ver você viva na Argentina, do que morta na África”! Eu respondi: “Sim eu vou”, tanto porque era a minha convicção, de nunca dizer não, pois eu queria só procurar a vontade de Deus, não a minha.

E como foi a sua experiência missionária na Argentina?

Eu queria logo trabalhar na evangelização, mas nada disso... Tive que estudar por sete anos pedagogia para poder trabalhar no colégio. Ao terminar, logo queriam que eu assumisse o cargo de diretora do colégio, mas pedi que antes de tomar posse eu pudesse atuar como professora para inserir-me na realidade dos professores, dos alunos, bem como do sistema geral de educação na Argentina. Foi um momento bom de aprendizagem e de partilha. Eu não tinha vergonha de perguntar, e deste modo fiquei mais de 40 anos no colégio, isto significa que quase todo o meu ser missionário foi dedicado na área da educação.

Como foi a sua experiência como diretora do colégio?

Foi uma experiência significativa! Criei um relacionamento muito bom com os professores, alunos e os pais. Porque na verdade quando se tem os alunos, tem-se a família toda na mão. Muito dos professores vinham pedir conselho ou uma palavra de encorajamento. Chamavam-me de “mãe”.

Atualmente você está vivendo na comunidade do colégio?

Não. Estou na comunidade das irmãs idosas. Faço os trabalhos da casa, tais como costura, assistir as irmãs doentes, levar a comunhão aos doentes de outros lugares e dedico um bom tempo para a Adoração ao Santíssimo Sacramento. Tenho um amor grande por Jesus Eucarístico, Ele é o centro da minha vida e da missão.

A vida de uma missionária é marcada de muita alegria e entusiasmo, mas também por tantos desafios. Foi assim para você também?

Às vezes eu tinha que resolver problemas tão complicados, mas como falei antes, sentia a coragem de enfrentar sabendo que Jesus estava comigo. “Eu com Jesus venceremos”! Toda a minha vida foi marcada pelo, “Nós”. Isto significa: eu com Jesus. Quando acontecem as incompreensões, normalmente eu não gosto de ficar magoada, mas me liberto logo. Pedia perdão, pois o perdão é um dom de dar e de receber, sem isto a nossa vida não vale pena.  Olha minha irmã! Não sei se você percebeu ou não, a minha visão está ruim e igualmente a audição, todavia para mim  não é um motivo de chorar ou de reclamar, mas louvar a Deus porque eu posso ainda andar, de certo modo ouvir um pouco, ver um pouco. Quero dizer com tudo isto que pouca saúde para mim é um motivo de gratidão a Deus pela vida.

Qual mensagem deixaria para os jovens do Brasil e do mundo inteiro?

Eu diria aos jovens, para que busquem as pessoas certas e de confiança para orientar suas vidas. Desta maneira teremos jovens maduros para o presente e futuro da humanidade. A minha oração para eles é que cada um possa realizar o projeto de Deus em seu caminhar. Aqueles que se sentem chamados à vida matrimonial, sacerdotal, religiosa, ou missionária façam isto, o importante é que vivam felizes e comprometidos segundo a escolha que fizerem.

Muito obrigada irmã Maria dos Anjos que me permitiu ler uma parte do seu livro vivente, de sua experiência e convivência missionária. È muita rica a sua vida missionária, a expressão do seu SIM no dia a dia e a esperteza do saber viver e envelhecer. Boa viagem e boa missão na Argentina. Dê um abraço para todas as irmãs e a seu povo argentino. Valeu a pena a nossa partilha viu!

Como de costume as irmãs da Casa Regional cantam uma linda e rica canção no seu sentindo missionário e carismático a quem parte ou retorna à missão, assim faço minha estas palavras “O Allamano te abençoe e a Consolata te proteja, Javé te dê a sua paz”!

Carleta Gerard Longo, MC – Entrevista 2011, São Paulo.