Entre os muçulmanos

Missionária da Consolata dá testemunho de trabalho entre os muçulmanos, na Somália.

Por Paulo Mzé *

Irmã Delma Maria Marques dos Santos, missionária da Consolata jubilar neste ano de 2021, fala de seus trabalhos e missão na Somália.

Irmã Delma, conte-nos um pouco de sua história...

Eu nasci no Rio Grande do Sul, na cidade de Três de Maio, no dia 5 de março de 1944, em uma família muito simples, mas muito unida e alegre. Éramos cinco irmãos, eu, Lucila, Carlos, Arlindo e Neusa. Carlos já é falecido. E nossa comunidade era a Capela Coração Imaculado de Maria. Eu fui catequista e gostava muito. Também gostava muito das irmãs do Sagrado Coração de Jesus. Até então, era a única congregação que tinha na nossa cidade. As Filhas do Sagrado Coração de Jesus. Mas, elas nunca me convidaram para dar catequese. Eu gostava delas, até me davam algum presentinho, umas balinhas. Um dia eu estava na catequese e invadi a clausura por curiosidade. E aí, uma freira viu, não gostou muito e queria ne expulsar dali. “O que é que você veio fazer aqui? Está curiosando a clausura?” O que é que uma criança de 7 a 8 anos iria saber de uma clausura? Mas, daí outra irmã, disse assim, “deixe, deixe que ela venha, coitadinha. Ela vai ser irmã”, e bateu palmas para mim, fez uma festa. Me deu um punhado de balas. Saí feliz da vida de lá. Depois pensei em ser irmã, porque escutei daquela irmã que eu seria freira. Mas nunca tive outro convite. O tempo passou.

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Eu tinha dois irmãos que entraram para o seminário de Nossa Senhora Consolata, em Três de Maio. E um dia veio a irmã Stevina e perguntou a eles se tinham irmã e se eu não queria ser freira. Um dos meus irmãos disse. “Eu pergunto para ela”. Daí a irmã Stevina mandou dizer para eu ir no seminário para falar com as irmãs. A irmã perguntou se eu não queria ser irmã missionária da Consolata. E aí eu fiquei pensando se Deus me queria. Se ela me convidou. A irmã Stevina e a irmã Pier Luiza me receberam com muita alegria e me disseram: “Olha, domingo que vem tem uma profissão perpétua das Irmãs do Sagrado Coração de Jesus. E a superiora de Horizontina, então, você venha aqui para falar com a irmã”. Então, no fim de semana me encontrei com a irmã Ligia Rafaela, que faleceu há pouco, em São Miguel Paulista. Daí, conversamos e ela disse: “Olha, você vai entrar logo no início do ano”. E eu fiquei feliz da vida, porque a irmã me aceitou. E daí, esperei os dias ansiosa. Entrei no dia 1º de março de 1966, em Horizontina, RS, na primeira etapa de formação, o aspirantado.

Sua formação e primeiros trabalhos...

Em São Paulo fiz a formação no Jardim Consolata, entre os anos de 1968-1971. Emiti minha profissão religiosa em 29 de janeiro de 1971. Trabalhei no Jardim Consolata por três anos. E depois fui para Cafelândia, em 1975, no Paraná. E depois fui para Erechim, em 1976, no Rio Grande do Sul. O trabalho era pastoral (catequese) e cuidados da casa. E depois retornei a São Paulo onde me preparei e fiz os meus votos perpétuos. Por dois anos trabalhei na casa episcopal de dom Joel Ivo Catapan, então bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo e vigário episcopal para a região Sant’Ana.

Fale para nós de sua Missão na Somália...

Fui para a Somália em 1982. Gostei muito do país, não precisava terra melhor; me dei bem com os somalis. Trabalhei num Centro Militar, orfanato, e depois na Escola de Economia Doméstica na cidade de Marca. No interior, guerrilhas aterrorizavam a população. A maioria do povo era muçulmana, os católicos eram poucos, normalmente os funcionários das embaixadas. Mas eles aceitavam a gente. Começou a guerra em 1990, no mesmo ano em que retornei ao Brasil, porque minha mãe estava muito doente. O conflito não me permitiu voltar ao país. Lembro-me que uma vez estava no aeroporto para embarcar e um militar disse: “Gente do Pelé, não vasculho a bagagem”. E eu estava com muitos presentinhos escondidos na mala para levar para a Itália para as irmãs de lá. Um moço que trabalhava na escola, um dia me disse: “Sabe irmã, eu gostei tanto de trabalhar com a senhora. Se eu não tivesse medo me faria cristão. Hoje mesmo me faria cristão. A senhora nos tratou com tanto carinho, com tanta bondade. Então, eu gostei”. E outros também diziam a mesma coisa. A missão na Somália foi viver, procurar ser, porque nunca seremos, procurar dar exemplo com a vida. Em lugar assim não tem outro jeito. Os somalis eram proibidos de trocar de religião. Ia para a cadeia quem trocasse. Eles gostam muito de Nossa Senhora. Então, apareciam senhores que trabalhavam no campo com ramos de flores para Nossa Senhora. Dava um rosário, eles tiravam o crucifixo e ficavam com a medalha e traziam ao pescoço.

Na sua opinião, quais são os desafios da missão hoje?

Os valores cristãos parecem que não contam muito mais. Eu iria novamente para a missão. Apesar de que não tenho saúde. Eu já tenho 77 anos. Mas, agora eu acho que até é mais difícil do que naquele tempo. A pessoa não deve ter medo em aceitar o chamado de Deus. Se eu tivesse medo não seria missionária da Consolata. Você não deve ter medo. Se Deus chamou Ele nos dará a graça de ser feliz na vida. Porque dificuldades encontramos em todo lugar. Em todos os estados de vida temos dificuldades. E se Ele chamou, nos dará a graça. ν

Paulo Mzé, imc, é diretor da revista Missões.