Missão é inserir-se no meio do povo

missionarias_consolata_missao_2

Missionária da Consolata relata trabalho realizado na periferia de Manaus, AM.

Por Pasquita Jacob Kikula *

O povo amazonense é um povo muito acolhedor, generoso, aberto ao novo. É simples e respeita as culturas e tradições. Comprometido com a missão apesar de ter muitas ocupações, ainda encontra tempo para as coisas de Deus. Convivendo com as famílias me sinto em casa, partilhando a fé, as alegrias, sonhos e desafios da vida. A nossa casa cujo nome é Consolação e Esperança fica situada na zona norte de Manaus faz parte do bairro Amazonino Mendes, popularmente conhecido como Mutirão.

É uma das maiores localidades da cidade e possui cerca de 60 mil habitantes. É um bairro desafiador em todos os sentidos, pois nas beiradas do Igarapé (esgoto a céu aberto), corre muitas drogas, bebidas alcoólicas, prostituição, e muito “acerto de contas”, os jovens nas ruas na sua maioria, são as vítimas dessas chagas abertas e mortos pelos próprios colegas. Alguns estão no mundo das drogas por escolha, por ser um trabalho fácil e dar dinheiro, outros por necessidade devido à pobreza dentro das famílias. Esses jovens são usados pelos grandes traficantes para vender drogas. O lugar mais seguro é nas escolas que frequentam e nos bairros onde moram. Até que conseguem vender e prestam contas aos grandes, suas vidas e famílias estão seguras, porém, quando não conseguem, correm o risco de morrer, pois os traficantes não recebem a droga de volta, aceitam só o dinheiro, e como consequência, por medo e se ameaçados, alguns jovens deixam de frequentar a escola para não ser cobrados e até roubam para poder pagar a droga não vendida. Os que desejam sair dessa vida são ameaçados, juntamente com suas famílias.

Presença consoladora

Com frequência há tiroteios atrás e ao lado de nossa casa onde passa o Igarapé. Isso acontece quando há acerto de contas, ou disputas por ponto de venda de drogas. Quando o assunto é serio, o chefe proíbe a entrada e a saída de pessoas na comunidade, e já aconteceu de fechar a igreja por três meses, ninguém podia entrar nem sair. Como somos conhecidas, o chefe quando consegue, manda nos avisar os dias que irá ter tiroteios. Assim nós também aproveitamos para avisar a comunidade para se prevenir do perigo. Nisso eles também nos protegem, mas isso não tira a preocupação e o perigo para todos nós. Outro problema grave que vai minando a estrutura dos jovens e das famílias é o alcoolismo. A nossa consolação é quando o povo nos diz que o bairro está melhorando com a nossa presença, mesmo que a gente não veja.

missionarias_consolata_missao

A Igreja em Manaus está estruturada em áreas missionárias, e nós estamos trabalhando em duas: Área Missionária São Pedro Apóstolo e São Francisco das Chagas. Em outubro de 2017 fui trabalhar em Manaus, na Área Missionária São Francisco das Chagas, com oito comunidades, cada uma com sua realidade de fé e experiência missionária diferente, algumas mais abertas, simples e pequenas e algumas maiores e com grande experiência missionária. Chegando nessa Área Missionária fui muito bem acolhida e introduzida nessas realidades das comunidades e pastorais. As comunidades são sustentadas pelas pastorais e suas espiritualidades e carisma, Ministros da Eucaristia e Palavra, catequese com sua caminhada de iniciação à vida cristã e muitas outras pastorais e movimentos dentro da Área. O povo amazonense é sedento de Deus, e não cansa de buscar meios de saciar essa sede. Isso se mostra real pelas quantidades de igrejas nos bairros. Em quase cada esquina tem uma, mesmo nas garagens. Muitos são enganados pelas igrejas que pregam o sucesso, prosperidade e riquezas assim aproveitando a vulnerabilidade e a pobreza do povo.

Liderança

Apesar dos desafios que enfrenta diariamente, o povo é comprometido na caminhada de fé, ama a Igreja e procura tempo para servir, cuidar, e participa ativamente na vida da comunidade e pastorais, vive o espírito missionário através de participação, partilha dos acontecimentos nas comunidades irmãs. A caminhada de conjunto faz com que as comunidades pequenas não se sintam incapazes. E nós, o nosso principal trabalho é a formação de lideranças de comunidades e agentes de pastorais. As visitas nas famílias são essenciais na missão, o encontro pessoal cria vínculo, conhecimento das realidades atuais e fortalece relações interpessoais. E também dedicamos tempo para acompanhar as pastorais eclesiais como, catequese, dízimo, familiar, juventude, a infância e adolescência missionária e a pastoral vocacional, como nos incentiva o lema do plano pastoral de arquidiocese de Manaus: “Cada Comunidade é uma nova vocação”. Nós participamos de momentos/acontecimentos da Área celebrando juntas as alegrias, sonhos, lutas e esperanças. Nunca ficamos de lado de fora, nos momentos ímpares da arquidiocese, como festas, campanhas, formações, e lutas. Não nos deixamos roubar a esperança como nos diz o papa Francisco, mas procuramos viver a alegria do Evangelho, a força, a fonte e o sustento de nossa vida humana e cristã.

* Pasquita Jacob Kikula, MC, é missionária em Manaus, AM.

Veja íntegra da matéria na revista Missões, edição de setembro de 2021, páginas 6 e 7.